Numa comparação dentro da franquia, podemos dizer que, como o garoto-vândalo Sid do primeiro filme, a Disney ameaçou estragar a brincadeira da Pixar quando anunciou que iria produzir uma terceira aventura com os personagens, mesmo se a Pixar não topasse renovar o contrato que venceu com o lançamento de “Carros”. O estúdio, que detinha os direitos sobre a série, chegou até mesmo a divulgar uma sinopse: o terceiro filme giraria em torno de um recall de todos os modelos do Buzz Lightyear, e o patrulheiro espacial teria que ser devolvido à fábrica no Taiwan. Woody e os demais brinquedos partiriam, então, numa viagem para salvar o amigo.
Felizmente, ao retomar as rédeas de “Toy Story”, a Pixar colocou os pingos nos “is” e abandonou aquela ideia inicial. E fez o certo: concentrou-se em dar um desfecho para a história iniciada no longa original. Por mais que cada um dos episódios possua uma aventura diferente, podemos perceber que há uma trama principal que dá corpo à trilogia, que é a relação dos brinquedos com seu dono, Andy, ao longo dos 15 anos que separam as duas pontas da série.
É bacana perceber que para quem tinha a mesma idade de Andy em 1995, os três “Toy Story” formam praticamente uma narrativa em tempo real. No primeiro filme, o garoto está na melhor fase da infância, quando tudo é brincadeira. No segundo, lançado quatro anos mais tarde, em 1999, a relação dele com os brinquedos já não é mais tão inseparável e o tema do abandono é introduzido através da boneca Jessie. E agora, no terceiro filme – narrado desde o início em tom de despedida – Andy segue para a faculdade e a trupe de Woody precisa assegurar para si um futuro seguro: no sótão, vivendo por conta própria, ou numa creche, onde podem reencontrar aquilo que lhes dá um “sentido na vida”, novamente nas mãos de crianças.
Interessante notar aí como aquilo que seria inicialmente o equivalente a levar um idoso para um asilo se converte numa espécie de “fonte da juventude”. Os brinquedos já estão envelhecidos (e o cuidado com o detalhe, praxe da Pixar, pode ser notado no desgaste do tecido que cobre as orelhas do cão-mola Slinky, ou na cor desbotada do tiranossauro Rex), mas não são de forma alguma inválidos. Andy sabe disso, tal como qualquer um que até hoje guarda com carinho alguns dos bonecos, carrinhos etc. que lhe fizeram companhia na infância. E a Pixar, hoje um “jovem adulto” estúdio, se comporta aqui como Andy, pegando seus antigos brinquedos por uma última vez antes de seguir em frente e assumir novas responsabilidades.
Era exatamente esse tratamento que “Toy Story 3” merecia, ou melhor, precisava ganhar. Lasseter, agora, apenas assina o argumento, mas fez questão de chamar seus parceiros nos filmes anteriores para concluir a saga de Woody e Buzz: Andrew Stanton (diretor de “WALL•E” e que também escreveu os dois primeiros “Toy Story”) e Lee Unkrich (montador do primeiro filme e co-diretor do segundo). O novato no time é Michael Arndt, roteirista vencedor do Oscar por “Pequena Miss Sunshine” – filme que se relaciona com “Toy Story 3” já que, de alguma forma, ambos tratam de famílias disfuncionais.
Herdando de Lasseter o crédito-solo de direção, Unkrich mostra ser uma das melhores crias da Pixar, mais seguro do que Pete Docter que ano passado apresentou “Up – Altas Aventuras” (os dois inclusive trabalharam juntos em “Monstros S.A.”). Unkrich, aliás, tem até a capacidade de se tornar um diretor melhor do que Lasseter, que depois de “Carros” parece mais confortável em outras funções. Ainda que não seja habilidoso e preciso como Brad Bird (“Ratatouille”, “Os Incríveis”), ele toma decisões interessantes, como causar o estranhamento inicial da perspectiva de dentro do baú no quarto de Andy, local onde o olhar do público ainda não havia sido levado. E Unkrich tem calma e equilíbrio na construção da atmosfera melancólica que envolve o filme, guiando os personagens por uma última grande aventura que mescla tensão, sustos e ação em doses maiores, talvez até épicas, em relação aos dois longas anteriores. Claro, sem deixar de lado o humor que surge das peculiaridades de cada personagem: Buzz às voltas com seu chip de memória, o casal Cabeça de Batata com suas peças, Jessie e sua claustrofobia, sem falar nas novas caras, com destaque para o improvável Ken. (Notar ainda participação especial de Totoro, personagem clássico criado por Hayao Miyazaki, diretor de “A Viagem de Chihiro”, a quem a Pixar sempre presta tributo, inclusive coordenando a dublagem americana de seus filmes.)
Ainda que apresente alguns probleminhas relativos à repetição de elementos – principalmente no que diz respeito ao vilão principal que se assemelha bastante ao do segundo filme – ou à simples omissão de informações (a desculpa para a ausência de Betty, a “namorada” de Woody, poderia ter sido melhor), “Toy Story 3” se equipara em qualidade aos dois primeiros episódios, com a vantagem de ser ainda mais bonito visualmente, graças ao refinamento da computação gráfica conquistado ao longo da última década – e o 3-D só contribui para isso. Se os fãs temiam por uma eventual falha, não se preocupem: a Pixar mostra que ninguém sabe brincar melhor com um brinquedo do que seu próprio dono.
direção: Lee Unkrich; roteiro: Michael Arndt; fotografia: Jeremy Lasky, Kim White; montagem: Ken Schretzmann; produção: Darla K. Anderson; com as vozes de: Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton, Wallace Shawn, John Ratzenberger, Estelle Harris, Blake Clark, R. Lee Ermey, Jeff Pidgeon, Bonnie Hunt, Whoopi Goldberg, Jeff Garlin, John Morris, Emily Hahn, Laurie Metcalf; estúdio: Pixar Animation Studios; distribuição: Walt Disney Pictures. 103 min