Depois de três décadas de produção de respaldo, quando fez filmes como “Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado”, “Brazil – O Filme”, “As Aventuras do Barão Munchausen”, “O Pescador de Ilusões” e “Os 12 Macacos”, Terry Gilliam caiu numa espiral que se tornou um verdadeiro furacão no ano de 2001, ao iniciar as filmagens de “The Man Who Killed Don Quixote”. Tudo o que podia dar errado e mais um pouco deu durante a realização e o longa nunca foi terminado. Até hoje, Gilliam tenta levantar dinheiro para concluir a produção, mas ele parece mesmo estar lutando contra moinhos de vento. E foi esse filme inacabado que fez com que o ex – ou eterno – Monty Python passasse quase dez anos sem lançar outro filme, simplesmente porque não encontrava quem financiasse seus projetos.
Esse tempo foi duro com Gilliam. Seus filmes seguintes, “Os Irmãos Grimm” e “Contraponto”, ambos de 2005, tiveram recepções pouco empolgantes. O mesmo aconteceu com este “O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus”, que passou batido pelos cinemas, mas tem agora no DVD o suporte para ser descoberto e apreciado como merece.
Numa ironia trágica do destino, o filme ganhou notoriedade ainda enquanto estava sendo feito devido à morte prematura de Heath Ledger, em janeiro de 2008. Era a segunda vez que Gilliam trabalhava com o ator, que também atuou em “Os Irmãos Grimm”. Mas antes que as más lembranças do falido projeto sobre Don Quixote voltassem para assombrá-lo, Gilliam soube contornar a adversidade e reescreveu partes do roteiro para que o personagem de Ledger pudesse ser interpretado por outros três atores – Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell. E, felizmente, a solução encontrada para a transformação de Ledger em seus colegas diante de nossos olhos é coerente com o personagem e se encaixa como uma luva na natureza fantasiosa do filme.
Ledger faz um excelente trabalho em seu último papel e sai de cena sob merecidos aplausos. Mas o protagonista do filme é outro. Interpretado pelo veterano Christopher Plummer, o Dr. Parnassus é uma espécie de monge e mágico ao mesmo tempo, que viaja com seu circo itinerante por uma Londres sombria, feia e suburbana. O ambiente da capital inglesa contrasta de maneira gritante com a vividez e as cores dos cenários que estão do outro lado do misterioso espelho que Parnassus tem no palco. As cenas que lá se passam são uma mistura de País das Maravilhas com pinturas surrealistas de Salvador Dalí e músicas do “Sgt. Peppers” dos Beatles.
Toda a imaginação encontrada dentro do espelho parece estar destruída pela realidade do lado de fora, e o contraste tem muito a ver com o tom autobiográfico que o filme carrega. É como se Gilliam nos dissesse, através do Dr. Parnassus, que ele próprio perdeu seu lugar no mundo – embora ainda acredite que esse mundo precisa de suas histórias.
É uma crítica mordaz, e num momento em que o melhor filme do ano para muitos é aquele em que os sonhos são racionalizados. Gilliam tem razão. A realidade, feia e sombria, racional e cínica, hoje domina um território onde a imaginação deixa cada vez mais saudades. Para tirar a prova, basta ir ao cinema – lugar onde filmes de Terry Gilliam, tristemente, parecem mesmo não ter mais espaço.
O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, 2009, Reino Unido/Canadá)
direção: Terry Gilliam; roteiro: Terry Gilliam, Charles McKeown; fotografia: Nicola Pecorini; montagem: Mick Audsley; música: Jeff Danna, Mychael Danna; produção: Amy Gilliam, Terry Gilliam, Samuel Hadida, William Vince; com: Christopher Plummer, Andrew Garfield, Lily Cole, Verne Troyer, Heath Ledger, Tom Waits, Johnny Depp, Jude Law, Colin Farrell; estúdio: Infinity Features, Poo Poo Pictures, Davis Films, Grosvenor Park Productions, Parnassus Productions; distribuição: Sony Pictures. 123 min