A distância entre o talento de James Cameron e o de Paul W.S. Anderson é enorme. No entanto, os dois se encontram no que diz respeito ao uso da tecnologia 3D.
O mais novo filme de Anderson, “Resident Evil 4”, recoloca o cineasta no comando da franquia iniciada em 2002 a partir do sucesso do videogame em que os personagens são baseados (ao que consta, os filmes fazem parte de um universo alternativo ao dos jogos, e não de uma adaptação fiel). E o 3D é a única novidade aqui.
O filme foi feito com a mesma inovação de “Avatar” e percebe-se isso na tela. Não é 3D convertido. O estranhamento provocado pelo longa de Cameron se faz presente novamente, talvez pela primeira vez desde que fomos apresentados aos Na’vi de Pandora. Você sente que a proporção dos atores, dos veículos, dos objetos em cena é diferente de quando se vê as mesmas coisas num filme em 35mm. Se trata mesmo de um novo jeito de ver cinema, e é uma pena que grande parte dos estúdios esteja boicotando a tecnologia em favor do dinheiro fácil arrecadado por meio das conversões que deturpam o formato original do filme apenas para se cobrar mais pelo ingresso (mais sobre o assunto aqui).
Pena também que Anderson seja um diretor tão ruim e “Resident Evil 4” não renda mais do que a diversão de um filme B – que sempre é a forma como ele trata seus projetos, ainda que sejam concebidos e vendidos como produtos de primeira linha (“Alien vs. Predador”, “Enigma do Horizonte”, “Mortal Kombat”). E é notável como Anderson é paradoxal: ele utiliza tecnologia de ponta, em um filme futurista, e ainda assim consegue a proeza de fazer tudo parecer datado, graças ao uso indiscriminado de artifícios que há mais de uma década deixaram de ser novidade. O super slow e o freeze frame são utilizados exaustivamente e, a não ser pelos zumbis, algumas sequências podem fazer você pensar que está diante de uma refilmagem de “Matrix”.
Existe um planejamento bom para as cenas de ação, mas Anderson, numa disputa acirrada com Zack Snyder (“300“, “Watchmen“), resolve colocar tudo em câmera lenta, num deslumbramento com o efeito em 3D que não faz sentido algum, a não ser estético. E note como ele se deslumbra também com os resultados da profundidade de campo, constantemente colocando a câmera rente ao chão com a ação acontecendo ao fundo. É estilo pelo estilo.
Ainda que a trilha sonora seja interessante e o design do filme, atraente (com destaque para um monstro encapuzado e com um enorme machado/martelo nas mãos, e que me lembrou “Terror em Silent Hill”, outra adaptação de videogame de horror), tudo é jogado pelos ares devido às deficiências de Anderson, do elenco e do enredo (que é daqueles que funcionam num círculo vicioso: termina onde começou – não é a toa o subtítulo “O Recomeço”, portanto).
Outra continuação é iminente e o trocadilho é inevitável: não há tiro na cabeça que mate de uma vez por todas essa série.
P.s.: os fãs vão querer ficar na sala durante os créditos finais para uma cena extra.
Resident Evil 4: O Recomeço (Resident Evil: Afterlife, 2010, EUA/Reino Unido/Alemanha)
direção: Paul W.S. Anderson; roteiro: Paul W.S. Anderson; fotografia: Glen MacPherson; montagem: Niven Howie; música: tomandandy; produção: Paul W.S. Anderson, Jeremy Bolt, Don Carmody, Bernd Eichinger, Samuel Hadida, Robert Kulzer; com: Milla Jovovich, Ali Larter, Wentworth Miller, Kim Coates, Shawn Roberts, Sergio Peris-Mencheta, Spencer Locke, Boris Kodjoe, Sienna Guillory, Kacey Barnfield, Norman Yeung, Fulvio Cecere; estúdio: Constantin Film, Davis Films, Impact Pictures; distribuição: Sony Pictures. 97 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.