É perceptível uma confusão entre discurso e cinema em alguns filmes brasileiros lançados no passado. “Tropa de Elite” foi chamado de filme de direita, fascista. José Padilha foi acusado de propagar a ideia de que a violência policial é o que vai colocar ordem no Rio de Janeiro e que os culpados pelo tráfico são os consumidores. O fenômeno que virou e a transformação de Capitão Nascimento em herói nacional trouxeram ainda mais lenha para a discussão.
Parte dos detratores do filme não viram que “Tropa de Elite” é o ponto de vista de policiais do Bope, e não uma ideia a ser propagada ou o discurso que Padilha, Bráulio Mantovani e Rodrigo Pimentel acreditam. O Bope é formado por seres moldados a seguirem o “missão dada, missão cumprida”. E se o ponto de vista é dele, agirão de acordo. Também tenho várias ressalvas ao discurso do filme, mas narrativamente, “Tropa de Elite” é bem-sucedido como poucos exemplos do cinema nacional. Algo semelhante a esta relação discurso/cinema aconteceu em “Lula, o Filho do Brasil“, filme mediano, mas sobre o qual não vou me alongar.
“Tropa de Elite 2” pode, portanto, satisfazer os detratores do primeiro filme por seu discurso. Agora, o ponto de vista não é mais o de um policial do Bope que veste sua farda com orgulho cego. Mas o de um ex-policial do Bope que apesar do carinho que tem por seu passado na organização, questiona tudo que aprendeu, como foi moldado e como moldou seus aprendizes. E percebe que os problemas mais sérios não estão nas camadas mais baixas da pirâmide social, mas, sim, pelo menos à primeira vista (detalhar mais sobre isso pode estragar o filme para quem não o assistiu), em quem está lá no alto, nos detentores de poder, qualquer que seja ele: poder político, poder da imprensa, poder social.
É um discurso mais relevante para mim, mas, como cinema, há um problema mais sério em relação ao primeiro. “Tropa de Elite” era, originalmente, para ter o Matias de André Ramiro como protagonista. Ainda, se formos pensar na clássica jornada do herói, ele é. Mas, percebida a força de Wagner Moura, foi resolvido, depois de o longa ser filmado, colocar a narração de Capitão Nascimento guiando o espectador para transformá-lo no personagem principal. No segundo, sabendo-se deste recurso bem-sucedido, Capitão Nascimento continua a narrar o filme. Narra. Narra muito. Acho até que se fecharmos os olhos, continuaríamos a entender o longa sem grandes problemas.
“Tropa de Elite 2” parece ter assumido o rótulo de “blockbuster nacional” neste aspecto. A primeira parte do filme é completamente mastigada. Não dá nenhum espaço para dúvidas. Talvez porque acreditaram que o “tapa na cara” da catarse final só funcionaria se todos entendessem o filme perfeitamente. Mas é uma narração que irrita. Mais que no primeiro. E é uma narração que se prolonga demais. Fico pensando se a sequencia final, quando o off de Nascimento dá um tempo para que a “justiça” seja feita (pelo menos uma parte mais fácil dela), faz o começo valer a pena.
A boa notícia é que vale. O filme, no geral, é acima da média. Moura, novamente, arrebenta, mas desta vez ao lado de Irandhir Santos; a história, difícil de ser contada, é bem colocada, direção madura, montagem excelente e os trinta minutos finais são realmente poderosos. Se confiassem um pouquinho mais nos espectadores, talvez teríamos um filmaço. Mas ainda assim não deixa de ser uma obra importante.
Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro (2010, Brasil)
direção: José Padilha; roteiro: José Padilha, Bráulio Mantovani; fotografia: Lula Carvalho; montagem: Daniel Rezende; música: Pedro Bromfman; produção: José Padilha, Marcos Prado; com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Pedro Van Held, Maria Ribeiro, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Tainá Müller, Seu Jorge, André Mattos, Fabrício Boliveira, Emílio Orcillo Netto, Jovem Cerebral, Bruno D´Elia; estúdio: Zazen Produções; distribuição: Zazen Produções. 116 min