Logo de cara, “Tropa de Elite 2” causa impacto quando reassume a narração em off que marcou o primeiro filme, com o ex-capitão do BOPE, agora Coronel, Nascimento (papel de Wagner Moura) externando sua ira contra o ativista social Fraga (interpretado por Irandhir Santos). Segundo o próprio policial, Fraga já o chamou de fascista.
“Fascista” é justamente o termo utilizado por parte considerável da crítica que não aprovou o primeiro “Tropa de Elite“, acusando o filme de José Padilha de promover a noção de que só a violência policial e a execução de criminosos pode “limpar” o Rio de Janeiro. Portanto, nesta continuação, Padilha e seu co-roteirista Bráulio Mantovani encaram frontalmente seus detratores. Na verdade, eles fazem mais: têm a inteligência e a hombridade de personificar as críticas que receberam em um personagem central: Fraga, “o cara dos direitos humanos”, cuja relação com Nascimento se revela vital para os propósitos do filme.
O que se entende por este “Tropa de Elite 2” é que o filme original foi de fato a primeira parte de uma elaborada teoria sobre um dos principais problemas enfrentados pela sociedade brasileira, aquele que provoca revolta sempre que surge nos noticiários (e que, infelizmente, a recente campanha eleitoral tem banalizado): a corrupção. O inimigo agora pode ser outro, mas seu objetivo é o mesmo dos algozes do longa original.
Fica melhor se colocarmos assim: “Tropa de Elite 2” é uma evolução de “Tropa de Elite 1”. Os traficantes cedem de vez lugar aos tiras corruptos e esses desenvolvem relações mais ambiciosas para subir na pirâmide do poder. Nas palavras de Nascimento, ele descobre que o “sistema” é bem maior e o buraco, mais embaixo. A “limpeza” que ele queria promover no Rio, torna-se nacional por extensão.
É essa descoberta, ou revelação, como queiram, que sustenta o discurso de Padilha e Mantovani aqui. É também de onde advém a reação catártica de grande parte da plateia ao ver Nascimento descer o sarrafo no novo inimigo – tal como aconteceu no primeiro filme. O inimigo é outro, mas o que a sociedade, de forma geral, quer é a mesma coisa: punição. E aí não é difícil imaginar que, depois de traficantes, policiais e políticos corruptos, o alvo de um eventual “Tropa de Elite 3” será o Judiciário brasileiro. Afinal, a impunidade também é um tema recorrente no nosso dia-a-dia. A carapuça serviria muito bem em certos banqueiros e candidatos fichas-sujas.
Há muito o que se elogiar na parte técnica do filme também: a direção de Padilha segue uma estética apurada junto à plástica do cinema comercial, e a colaboração do montador Daniel Rezende (que também trabalhou no filme original e foi indicado ao Oscar por “Cidade de Deus”) vai além desta vez, já que ele recebe ainda o crédito de diretor de segunda unidade – um prenúncio, talvez, de que em breve irá se tornar diretor de um longa. Destaca-se também a engenharia do roteiro, que promove reviravoltas nos relacionamentos interpessoais dos personagens, e ainda aposta na diegese criada para o primeiro filme (isto é, retoma os bordões, as peculiaridades dos personagens reincidentes, as técnicas do BOPE, como o saco de tortura, etc.), algo que sempre é bacana.
Dado o estrondo multimilionário nas bilheterias dos cinemas, “Tropa de Elite 2” pode ser considerado mais do que um blockbuster brasileiro. José Padilha está criando uma franquia de sucesso. Fazendo uma comparação com o cinema de outros países, pode-se dizer que os dois filmes já equivalem à trilogia “Conflitos Internos”, de Andrew Lau e Alan Mak, ou a “Eleição – Submundo do Poder” e sua sequência, de Johnnie To. E, sendo um pouco mais grandiloquente, não é exagero dizer que “Tropa de Elite” caminha para se tornar o nosso “O Poderoso Chefão”.
Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro (2010, Brasil)
direção: José Padilha; roteiro: José Padilha, Bráulio Mantovani; fotografia: Lula Carvalho; montagem: Daniel Rezende; música: Pedro Bromfman; produção: José Padilha, Marcos Prado; com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Pedro Van Held, Maria Ribeiro, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Tainá Müller, Seu Jorge, André Mattos, Fabrício Boliveira, Emílio Orcillo Netto, Jovem Cerebral, Bruno D´Elia; estúdio: Zazen Produções; distribuição: Zazen Produções. 116 min