Quem viu “Deixe Ela Entrar” nos cinemas, viu. Quem não viu, terá que se contentar com esta refilmagem, já que o filme sueco não está disponível em DVD no Brasil. É uma pena, pois tudo que o remake faz é repetir o que está no original, por sua vez baseado no livro de John Ajvide Lindqvist, que adaptou o próprio texto para o cinema.
A direção da versão britânica/americana (já que é co-produzida pela Hammer e pela Overture Films) é de Matt Reeves, que antes fez o fantástico “Cloverfield“. A única semelhança entre esses dois filmes do cineasta é que ambos são filmes de monstro (“Deixe-me Entrar” em escala bem menor, mas ainda assim um filme de monstro). Já em relação à estética, não poderiam ser trabalhos mais distintos. Onde “Cloverfield” é todo filmado com câmera na mão e marcado pela adrenalina das imagens trepidantes, “Deixe-me Entrar” preza por cenas mais trabalhadas no campo visual, com movimentos suaves e composição fotográfica primorosa. É tudo muito bem feito por Reeves e sua equipe, mas o mesmo deve ser dito sobre o filme original, onde o diretor Tomas Alfredson consegue um resultado ainda melhor, tanto no que tange ao estilo quanto à condução da narrativa. O tom soturno do original é um pouco desvanecido no remake, que dá mais destaque aos temas do bullying e dos pais ausentes.
Um filme é a imagem espelhada do outro, sendo que o reflexo tem suas imperfeições. A citar, o uso desnecessário da computação gráfica. Onde no original efeitos práticos resolvem situações de forma muito mais satisfatória, na refilmagem um boneco feito em CGI é usado para dar mais violência aos ataques da protagonista às suas vítimas. Não que o original não possua CGI, mas o uso é muito mais funcional e sutil, como na cena em que o garoto Oskar recebe um golpe no rosto e vemos o ferimento sangrar e sua bochecha corar.
Reeves é creditado como autor do roteiro da refilmagem, o que é justo considerando que ele fez alterações em diversas cenas. No entanto, o que ele mudou são frivolidades, como a cena em flashback que abre o filme, a participação dos vizinhos, a inserção do personagem do detetive e as situações em que o pai da protagonista se envolve. São trocas que não fazem muita diferença para a história e servem apenas para não dizer que ele simplesmente copiou e colou do filme original.
Por isso, se por um lado Reeves capricha na execução técnica do longa, por outro demonstra ter deixado a imaginação de lado – justo ele, que em “Cloverfield” foi tão inventivo. E ao tentar repetir as melhores cenas do original, Reeves acabou diminuindo o próprio trabalho, pois tornou inevitável uma comparação da qual ele faltamente sairia perdendo, já que os resultados alcançados por Alfredson já estão muito acima da média. Mas é uma faca de dois gumes, na verdade: se ele poderia ter criado cenas novas, sem com isso alterar a essência da história, modificar muito o material-fonte poderia soar como desrespeito ao autor.
Falei de espelho mais acima, e não foi por acaso. Um fato curioso sobre esta refilmagem é justamente o uso que Reeves faz de reflexos. No original, Alfredson já trabalhava com essa noção, enquadrando por diversas vezes as imagens dos personagens refletidas em espelhos ou vidros. O filme já começa com o reflexo do garoto Oskar na janela do quarto. Tudo isso converge para o tema central de “Deixe Ela Entrar” que é Oskar ser o reflexo de Eli, a vampira. Pela afinidade que possuem, eles se vêem um no outro.
(Aliás, diferente de “Crepúsculo”, “Anjos da Noite” e outros exemplares de neo-vampirismo baboseira, esta é uma das poucas características clássicas dos vampiros que o filme subverte, já que a menina possui reflexo, como vemos em determinadas cenas nas duas versões.)
Na refilmagem, Reeves intensifica o uso de espelhos e vidros, e acredito que é ainda mais radical: ele faz o próprio filme ser, literalmente, um reflexo do original.
E existem outros exemplos que não vou ilustrar aqui para evitar spoilers, mas compare você mesmo as duas cenas finais, como elas acontecem em lados opostos nas duas versões do filme. Não acredito que todos esses exemplos sejam apenas coincidência. Pode até ser mais uma frivolidade de Reeves, mas não deixa de ser um experimento estético interessante.
Por fim, há de destacar o trabalho do novo elenco. A refilmagem – cujo título é levemente diferente, com uma troca de pronomes (“Deixe Ela Entrar” virou “Deixe-me Entrar”) – conta com atores igualmente talentosos aos do longa original. Mas se na versão sueca o destaque é a garota Lina Leandersson, no remake quem se sobressai é o garoto Kodi Smit-McPhee, que já havia brilhado em “A Estrada“. Ainda assim, a menina Chloe Moretz, de “(500) Dias Com Ela” e “Kick Ass”, faz também um belo trabalho, enriquecido pela presença de peso do sempre subestimado Richard Jenkins, de “O Visitante“.
Em suma, se você é um fã da versão original, não há motivos para sair da filmagem chateado. E se você não viu o original, não deixe de procurá-lo, embora “Deixe-me Entrar” também tenha seus próprios méritos para ser considerado um ótimo filme.
Deixe-me Entrar (Let Me In, 2010, Reino Unido/EUA)
direção: Matt Reeves; roteiro: Matt Reeves (baseado no roteiro e no livro de John Ajvide Lindqvist); fotografia: Greig Fraser; montagem: Stan Salfas; música: Michael Giacchino; produção: Alexander Yves Brunner, Guy East, Carl Molinder, John Nordling, Simon Oakes, Nigel Sinclair; com: Kodi Smit-McPhee, Chloe Moretz, Richard Jenkins, Cara Buono, Elias Koteas, Sasha Barrese, Dylan Kenin, Dylan Minnette; estúdio: Hammer Film Productions, Overture Films; distribuição: Paramount Pictures. 116 min