A derrota de “O Segredo de Brokeback Mountain” na principal categoria do Oscar para “Crash: No Limite”, em 2006, representou algo além da surpresa de um favorito ser desbancado por um azarão. Não que o filme de Ang Lee precisasse de uma estatueta dourada para provar o seu valor. Mas a ideia de uma obra sobre o amor entre dois homens receber a consagração máxima da indústria hollywoodiana parecia um sinal de portas abertas para a representação do gay no cinema após um tortuoso caminho na mesma indústria.
Foram anos de um cinema americano reprimido. Primeiro, as obras de temática gay eram reservadas apenas a um cinema underground. Como lembra Luiz Nazário, em seu artigo O Outro Cinema, os personagens homossexuais eram claramente representantes da subversão, da degradação, do sofrimento e da clandestinidade.
Porém, após a explosão da Aids, era preciso que o sexo saísse da clandestinidade. Em Hollywood, a Aids passou a ser associada à morte. As mulheres fatais se tornaram constantes no arsernal do cinema americano. “Atração Fatal”, filme de 1985, de Adrian Lynne, é um belo exemplo. Alex Ross, personagem de Glenn Close, é a grande metáfora da Aids. É a ideia de que relações promíscuas e extraconjugais podem levar à morte. O sexo se tornou controlado. E, com este controle, os homossexuais não podiam mais ser os “clandestinos” que o moralismo hollywoodiano e sua “estética heterossexual” tentaram propagar. Hollywood podia, portanto, representá-los de outra forma.
A partir daí houve uma mudança na imagem do homossexual na indústria. O que não quer dizer, entretanto, que seja uma imagem despida de um estereótipos. Os personagens gays se tornaram coadjuvantes engraçados, carismáticos e sensíveis. Passaram a ser retratados com sensibilidade e, alguma vezes, até piedade. O clichê do gay se tornou comum no cinema. Woody Allen brinca com isso em “Tudo Pode Dar Certo“. No filme, um dos personagens fala que ser gay é uma abominação por ir contra as leis de Deus. Recebe a seguinte resposta:
– Deus é gay.
– Ele não pode ser. Ele fez o universo perfeito, os oceanos, os céus, as flores lindas e as árvores em todos os lugares.
– Exatamente. Ele é um decorador
Surgiu o gênero GLS, com sua temática abertamente homossexual e seus festivais. A visão de dentro começa a ter um espaço maior. Porém, são filmes que acabam, em sua maioria, destinados a exibições limitadas e distribuição independente. Hollywood, porém, ainda não estava tão interessada em se arriscar no tema.
“O Segredo de Brokeback Mountain” parecia representar uma quebra na postura da indústria hollywoodiana. Sim, um filme pode ter dois homossexuais como protagonistas. Sim, esses personagens podem ter defeitos, não precisam esbanjar carisma. Sim, um romance gay pode ser o fio no qual este filme se desenvolve. Sim, este filme pode ser exibido em um cinema de shopping. E, sim, esse filme pode ser indicado ao Oscar e ter chances de vencer.
Mas os anos nos quais os filmes gays foram sinônimos de cinema underground ou independente ainda reverberam. Conversando com um amigo sobre “O Segredo de Brokeback Mountain”, ele me disse que não gostou do filme porque “pelo tema, tinha que ser mais ousado”. Será, então, que um filme de temática homossexual não pode ser normal? Cinema clássico não pode ser gay?
É aí que entra “Minhas Mães e Meu Pai”. No filme, os dois filhos adolescentes resolvem procurar o pai, ou melhor, o homem que doou os espermas para as suas mães, Jules e Nic. O longa de Lisa Cholodenko é simples. A história da família feliz perturbada por um elemento de fora já foi contada e recontada milhares de vezes. O casal formado por um viciado em trabalho e por um indivíduo inconstante (Annette Bening interpreta o primeiro tipo e Julianne Morre ficou com o segundo) também já foi retratado no cinema antes. Não existem grandes novidades em “Minhas Mães e Meu Pai”. Apenas o fato de ser um filme com duas personagens lésbicas centrais, Jules e Nic, cujas sexualidades não são determinantes para a narrativa.
O filme é sobre a família. O longa, entretanto, não é apenas uma tentativa de Cholodenko dizer que os homossexuais podem ter uma vida normal, uma família como outra qualquer. A diretora mostra que o fato de um filme ter personagens abertamente gays não torna obrigatório o enquadramento do longa no gênero GLS, sua narrativa não precisa ser sobre a sexualidade ou preconceito. O filme pode ser tradicional, pode ser simples. Se Cholodenko conhecesse bem a tênue linha que separa o tradicional do clichê, teríamos um grande e representativo filme.
Com seus chavões, “Minhas Mães e Meu Pai” é um bom longa. Inofensivo, passageiro, divertido e que emociona algumas vezes. Hoje, pode até ter a sua relevância, o que explica o sucesso de crítica e público que vem alcançando. Mas, desconfio, será um filme que não irá envelhecer bem. Outros tão bem intencionados quanto, porém, melhor resolvidos narrativa e cinematograficamente, deverão surgir. E depois que surgirem, talvez nem nos lembremos mais de Jules e Nic.
Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, 2010, EUA)
direção: Lisa Cholodenko; roteiro: Lisa Cholodenko, Stuart Blumberg; fotografia: Igor Jadue-Lillo; montagem: Jeffrey M. Werner; música: Carter Burwell, Nathan Larson, Craig Wedren; produção: Gary Gilbert, Philippe Hellmann, Jordan Horowitz, Jeffrey Levy-Hinte, Celine Rattray, Daniela Taplin Lundberg; com: Julianne Moore, Annette Bening, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska, Josh Hutcherson; estúdio: Mandalay Vision, Antidote Films, Artist International, Gilbert Films; distribuição: Imagem Filmes. 106 min