Este é provavelmente o maior problema do filme: ele rodeia o conceito da não-relação o tempo todo com impossibilidades. São os amigos do casal que começam um namoro tradicional, é a irmã dela que está sinceramente feliz porque vai se casar, é o pai dele que pula de galho em galho, mas que não desiste de ter uma companheira. Assim, o filme se contenta apenas em provar uma teoria. Se todos, menos os protagonistas, sabem que é difícil não se envolver, não se apaixonar numa situação como a que o par principal vive, por que fazer o filme?
É diferente do que acontec em “Passe Livre“, filme que está em cartaz simultaneamente e com o qual “Sexo Sem Compromisso” dialoga ao colocar um ponto de interrogação na durabilidade das relações afetivas. Os dois filmes destoam muito no estilo de humor, já que “Sexo Sem Compromisso” é uma comédia romântica mais típica, enquanto “Passe Livre” é um escracho só. No entanto, os personagens de ambos têm muito em comum. O que a médica de Natalie dá ao roteirista aspirante de Kutcher é também um passe-livre, que é na verdade uma permanente, já que eles não são casados, nem mesmo namoram. Eles concordam em fazer o que quiserem, sem consequências para a relação. E também como em “Passe Livre”, eles compreendem que nós, humanos, simplesmente não funcionamos assim. O ponto a favor dos irmãos Farrelly é que eles trabalham com mais de uma possibilidade, principalmente em relação às personagens femininas, que encaram frontalmente a dúvida sobre seus sentimentos, enquanto para os homens tudo parece não passar de uma descoberta tardia da puberdade.
“Sexo Sem Compromisso” não oferece uma discussão e perde pontos por isso. No entanto, há atrativos. As piadas são boas, a trilha sonora funciona (tem Phoenix!) e a direção é bem mais sólida do que se pode esperar de um diretor como Ivan Reitman, cujo último filme que pode ser considerado bom é “Os Caça-Fantasmas 2”, de 1989. E ele parece ter uma motivação pessoal para fazer o filme, já que faz uma rara ponta como o diretor da série de TV que satiriza “High School Musical”, na qual o personagem de Kutcher trabalha.
Quanto ao elenco, é verdade que poderia haver bem menos personagens coadjuvantes, mas Kutcher e Natalie estão bastante à vontade em seus papéis. É um casal que surpreendentemente dá liga na tela. Ela, então, está muito natural e bem mais solta, praticamente o oposto da performance que lhe rendeu o Oscar em “Cisne Negro“. Não que no filme de Darren Aronofsky ela esteja mal, pelo contrário. É que são atuações distantes.
“Sexo Sem Compromisso” funciona como um reverso de “Harry & Sally: Feitos um Para o Outro”, a mãe das comédias românticas. Enquanto neste, Billy Crystal e Meg Ryan têm a amizade ameaçada depois que transam, no outro Kutcher e Natalie começam transando e vêem a relação em perigo à medida que se tornam mais próximos emocionalmente. É curioso notar, inclusive, como Reitman e a roteirista Elizabeth Meriwether são conscientes do uso das convenções do gênero, o que também colabora para tornar o filme agradável. Quando o casal briga (como sempre acontece em todo filme do tipo) e a personagem de Natalie diz não saber o que fazer, vem o estalo. E dentro do reverso proposto, é ela quem tem o comportamento masculino esperado na ampla maioria das comédias românticas.
Sexo Sem Compromisso (No Strings Attached, 2011, EUA)
direção: Ivan Reitman; roteiro: Elizabeth Meriwether; fotografia: Rogier Stoffers; montagem: Dana E. Glauberman; música: John Debney; produção: Jeffrey Clifford, Joe Medjuck; com: Natalie Portman, Ashton Kutcher, Kevin Kline, Olivia Thirlby, Greta Gerwig, Lake Bell, Ludacris, Jake M. Johnson, Mindy Kaling, Cary Elwes, Ben Lawson; estúdio: Cold Spring Pictures, Handsomecharlie Films, Katalyst Films, The Montecito Picture Company, Spyglass Entertainment, Paramount Pictures; distribuição: Paramount Pictures. 108 min