Por baixo de todos os seus óbvios problemas de realização, o filme dirigido por Roger Michell lança um olhar crítico sobre esse tipo de programa que nos é empurrado por emissoras de TV cada vez mais dependentes da publicidade para existirem. Em época em que vale tudo por pontos na audiência, em que qualquer coisa é pauta para “matérias”, a culpada pela zorra em que o programa do filme se transforma é a ansiedade e a inexperiência da protagonista.
Como se a pressão não bastasse, as boas intenções da hiperativa garota no novo emprego logo são esmagadas pela má vontade do âncora rabugento vivido por Harrison Ford: um jornalista veterano que foi o primeiro a estar no Marco Zero após os ataques às Torres Gêmeas, que cobriu guerras, denunciou escândalos, almoçou com o vice-presidente dos EUA, ganhou 16 Emmy e um Pulitzer e, claro, pilotou a Millenium Falcon e caçou a Arca Perdida.
Isso porque, além de falar de crise no Jornalismo, “Uma Manhã Gloriosa” se vira para a própria Hollywood, num comentário de bastidor que Michell já havia explorado em “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Ford hoje se encontra numa posição semelhante a de atores de sua geração, como Robert De Niro e Al Pacino. Quando faltam oportunidades para eles fazerem filmes como aqueles que os consagraram, sobram trabalhos que acabam por ridicularizá-los. E como o personagem de Ford no filme, eles acabam aceitando só pelo dinheiro. Ford ainda é mais comedido que seus colegas, incluindo a própria Diane Keaton, que, também como sua personagem aqui, já não tem mais pudor algum em aceitar fazer qualquer coisa diante de uma câmera.
O que “Uma Manhã Gloriosa” quer dizer é que a mistura de Jornalismo com entretenimento pode não ser ideal, mas se ela se faz necessária, que ao menos seja feita com profissionalismo e bom gosto. Se é para fazer um circo, que ao menos as risadas do palhaço sejam sinceras, que os truques do mágico sejam intrigantes e que a trapezista esteja elegante. Do contrário, zapearemos sempre por um show de aberrações.
Uma Manhã Gloriosa (Morning Glory, 2010, EUA)
direção: Roger Michell; roteiro: Aline Brosh McKenna; fotografia: Alwin H. Kuchler; montagem: Daniel Farrell, Nick Moore, Steven Weisberg; música: David Arnold; produção: J.J. Abrams, Bryan Burk; com: Rachel McAdams, Harrison Ford, Diane Keaton, Patrick Wilson, Jeff Goldblum, John Pankow, Linda Powell; estúdio: Bad Robot, Goldcrest Pictures; distribuição: Paramount Pictures. 107 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.