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X-Men: Primeira Classe

O que seriam dos super-heróis sem seus arqui-inimigos? É como Elijah Price, o personagem de Samuel L. Jackson em “Corpo Fechado”, diz a David Dunn, o protagonista, vivido por Bruce Willis:

“Em uma HQ, sabe como você consegue dizer quem será o vilão? Ele é o exato oposto do herói, e na maioria das vezes eles são amigos, como você e eu.”

É muito provável que a relação entre Erik Lehnsherr e Charles Xavier tenha sido uma das inspirações de M. Night Shyamalan ao escrever o roteiro de “Corpo Fechado”, filme que, além de ser obra-prima por seus próprios méritos, é uma grande homenagem ao universo das HQs. Em “X-Men: Primeira Classe”, é narrado o começo da história dos mutantes da Marvel (tomadas as devidas liberdades na adaptação dos quadrinhos para o cinema). A rivalidade entre Erik e Charles pautou os primeiros três filmes dos X-Men, onde nós já víamos que, apesar das diferenças ideológicas, ambos nutriam grande respeito um pelo outro. O novo longa mostra exatamente como essa admiração foi construída – e onde surgiu a bifurcação no caminho dos dois amigos.

Apesar de buscar manter um equilíbrio entre as trajetórias dos dois personagens, “X-Men: Primeira Classe” poderia perfeitamente se chamar “X-Men Origens: Magneto”. Afinal, após tentarem por anos viabilizar um filme-solo do poderoso mutante que tem o controle do magnetismo nas palmas das mãos (assim como fizeram com Wolverine), os produtores da Marvel decidiram incorporar as principais ideias do projeto abortado no roteiro de “X-Men: Primeira Classe”. Dessa forma, o filme se vê naturalmente inclinado, como em tantas outras histórias, a tornar o vilão (ou seria o anti-herói?) o personagem mais interessante.

Por mais que o vilão de verdade do longa seja o igualmente poderoso Sebastian Shaw (Kevin Bacon), e que os dramas pessoais de outros mutantes ganhem a devida atenção, é o enredo de Magneto que conduz “X-Men: Primeira Classe” do primeiro ao último plano. Interpretado pelo ator alemão Michael Fassbender, que já havia chamado a atenção em “Hunger”, “Fish Tank” e “Bastardos Inglórios”, Erik tem uma motivação pessoal que o leva a buscar vingança antes de defender a causa dos direitos mutantes. É isso que o diferencia de Charles e também o que o fortalece na conquista da empatia do espectador. E nisso o filme guarda um magnífico trunfo, já que nos leva a gostar de Erik como um herói e a torcer para que ele vença – mesmo que nós tenhamos a consciência de que essa vitória pessoal o transformará no algoz dos X-Men.

Nessa construção do personagem, “X-Men: Primeira Classe” se sobressai dentre os cada vez mais genéricos filmes de super-herói: Erik não é visto como um vilão, assim como Anakin Skywalker não é tratado como tal na nova trilogia “Star Wars”. “O bem é um ponto de vista”, diz Palpatine em “A Vingança dos Sith“. E o que aprendemos em “X-Men: Primeira Classe” é que o que distancia Erik de Charles não é o maniqueísmo do uso de suas mutações, mas o posicionamento político de cada um. Não é à toa que o pano de fundo do filme é um crucial momento da história política do mundo: a Guerra Fria e a crise dos mísseis de Cuba.

Mesmo que se concentre na ética e na ideologia que fomentam a relação entre Magneto e o Professor X, “X-Men: Primeira Classe” também volta a falar de problemas que ferem os direitos humanos tal como fazem os três primeiros filmes da franquia. Aliás, o novo longa praticamente traz um resumo de tudo que vimos na trilogia, como o sentimento de inadequação vivido pela Vampira de Anna Paquin, que é reproduzido pela Mística de Jennifer Lawrence; a megalomania anti-homo sapiens do Magneto de Ian McKellen, que ganha proporções ainda mais dramáticas no Sebastian Shaw de Kevin Bacon; e, principalmente, o dilema da Cura, no qual “X-Men: O Confronto Final” é centrado e que tem sua semente plantada aqui.

De certo modo – e agora faço minha primeira ressalva ao filme – essa repetição de temas faz o longa soar como um remake, e um que reproduz também as falhas de seus predecessores. Se por um lado personagens que eram bidimensionais, caso de Mística e Fera, agora são aprofundados, surgem vários outros coadjuvantes para cumprir função demográfica, caso de Alex “Destrutor” Summers, Darwin, Angel Salvadore e Banshee. Acontece o mesmo nos outros filmes da série com personagens como Colossus, Lince Negra, Piro, Spyke, entre outros (alguns desses, é verdade, são reaproveitados e desenvolvidos após suas primeiras aparições). Os capangas mudos do vilão principal também estão lá, com Azazel e Maré Selvagem fazendo os papéis de Groxo e Dentes de Sabre.

Com tantos personagens e subtramas, a direção segura de Matthew Vaughn (“Kick Ass”, “Stardust – O Mistério da Estrela”) garante a estabilidade que o roteiro requer. Embora o cineasta relaxe em alguns momentos (a sequência em split-screen surge como um gracejo que destoa do resto do filme) e não tenha o mesmo equilíbrio estético e o perfeccionismo de Bryan Singer (“X-Men 2” ainda é o filme mais bonito da Marvel), ele sabe trabalhar o filme visualmente e aproveitar a tela larga (a cena de Erik num bar é quase tarantinesca), além de utilizar a linguagem dramaticamente (por exemplo, numa determinada sequência que intercala tomadas de Charles e Shaw). Além disso, as cenas de ação construídas por Vaughn são ágeis e bem montadas, e conseguem superar os percalços que as equipes de efeitos especiais e de figurinos da franquia parecem nunca conseguir superar.


X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011, EUA)
direção: Matthew Vaughn; roteiro: Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn; fotografia: John Mathieson; montagem: Eddie Hamilton, Lee Smith; música: Henry Jackman; produção: Gregory Goodman, Simon Kinberg, Lauren Shuler Donner, Bryan Singer; com: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, Rose Byrne, Jennifer Lawrence, January Jones, Nicholas Hoult, Caleb Landry Jones, Lucas Till, Don Creech, Oliver Platt, Jason Flemyng, Álex González, Zoë Kravitz, Edi Gathegi; estúdio: Marvel Studios, Bad Hat Harry Productions, Donners’ Company, 20th Century Fox; distribuição: 20th Century Fox. 132 min

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