O termo “ilusionista” é comumente associado a vários cineastas que levam a cabo em seus filmes o fenômeno visual de que o cinema consiste. O iraniano Abbas Kiarostami é um desses cineastas, mas ele trabalha num nível que vai além do uso de efeitos especiais ou truques de ótica; é mais como Eduardo Coutinho faz em “Jogo de Cena” e “Moscou“. A ilusão construída por Kiarostami desde seu “Close-Up”, em 1990, e, agora, em “Cópia Fiel”, funciona narrativamente; nasce (e morre, e ressurge) na mente do espectador.
Aqui, temos um aparente filme de conversa, que logo se transforma num filme de viagem que não fica muito distante de se tornar uma versão crise de meia-idade de “Antes do Amanhecer”. Juliette Binoche e William Shimell protagonizam juntos 90% das cenas, durante as quais falam sobre obras de arte – cópias e originais – mas acabam entrando numa discussão sobre um casamento em crise – que nunca fica claro se é real ou invenção.
Kiarostami sempre gostou de brincar com essa noção de “é tudo verdade”. E em “Cópia Fiel” ela está lá: quem são aqueles dois personagens? Eles realmente começaram o filme fingindo não se conhecerem? Ou eles se conheciam desde sempre, mas essa informação simplesmente nos foi privada, tal como ocorre quando pegamos uma conversa pela metade dentro de um ônibus ou na fileira de trás de uma sala de cinema? Há um enredo? Que enredo é esse? Seriam os sentimentos que o casal demonstra cópias de algo que eles já não mais sentem?
Verdade ou mentira? Kiarostami é um ilusionista habilidoso o bastante para fazer a transição entre as duas coisas sem que o espectador perceba. E ele poderá se irritar. Ou ele poderá se sentir regozijado. Seja como for, ele é desafiado.
A melhor ilusão é sempre a que não percebemos existir, de outro modo deixa de ser uma ilusão. Filmes que geram perguntas pertinentes e desafiadoras sempre são mais instigantes do que aqueles em que é tudo explicado para que o espectador não se sinta enganado (a graça está nisso, ora). E “Cópia Fiel”, além de tudo, é um filme muito bonito de se ver na fotografia de Luca Bigazzi, com duas baita atuações e uma direção orquestrada em enquadramentos rigorosos e planos-sequências executados com fineza. Cinema de verdade.
Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010, França/Itália/Bélgica)
direção: Abbas Kiarostami; roteiro: Abbas Kiarostami; fotografia: Luca Bigazzi; montagem: Bahman Kiarostami; produção: Charles Gillibert, Marin Karmitz, Nathanaël Karmitz, Abbas Kiarostami; com: Juliette Binoche, William Shimell, Adrian Moore, Jean-Claude Carrière, Agathe Natanson, Gianna Giachetti, Angelo Barbagallo; estúdio: MK2 Productions, BiBi Film, Abbas Kiarostami Productions, Canal+; distribuição: Imovision. 106 min