Crescendo e aprendendo

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Interessei-me pelo filme “Ginger e Rosa” basicamente por dois motivos. Primeiro porque trata-se do mais novo trabalho da talentosa Elle Fanning, a quem tenho admirado como atriz cada vez mais. Segundo porque gosto muito de histórias que falam de amizade e amadurecimento. Mas o filme, dirigido por Sally Potter, é bem mais do que isso e se revelou uma obra inspiradora, que sensível e sutilmente faz com que você carregue um pouco dele para dentro de si.

Já nas primeiras cenas não nos resta dúvida sobre a forte amizade entre as personagens-título. Amizade, esta, que parece ter sido destinada a acontecer, uma vez que suas mães se conhecem na sala de parto e se apoiam desde então. Ginger e Rosa crescem juntas e não se desgrudam para quase nada. Mas quando chega a adolescência, num contexto histórico peculiar, a Guerra Fria, suas diferenças de personalidade começam a falar mais alto.



Ginger, vivida por Elle Fanning, apesar de introspectiva e com toques de inocência, é pura luz. Culta, cheia de ideias, escreve poemas e quer ser ativista, pois se preocupa o tempo todo com a iminente guerra nuclear dos anos 60 e se dispõe a fazer o que pode para tentar salvar o futuro. Interessante como seu cabelo vermelho e comprido agrega força a essas características.

Rosa (interpretada por Alice Englert), pelo contrário, não nutre grandes preocupações com o futuro e no presente está mais interessada em conquistar garotos e descobrir o mundo dos adultos, como ser independente, se maquiar, beber e fumar. Além disso, não tem espírito questionador e encontra suas respostas na crença de um Deus. Porém, mesmo Ginger sendo mais intelectualizada, ela admira Rosa e quer aprender com ela a deixar a inocência para trás. Rosa, no entanto, parece usar Ginger apenas como uma companhia, com o qual ela mantém certa dependência.

Neste contexto, fui levada a refletir sobre os diferentes significados que um relacionamento desse tipo pode ter para cada um dos envolvidos, pois ambas vivem a mesma situação e estão juntas desde sempre, mas cada uma quer algo diferente da outra. E pode ser aí o começo do afastamento.

Inevitavelmente, o distanciamento de pessoas queridas acontece com todos nós. No meu caso, que sempre tive uma turma de amigos inseparáveis na adolescência, isso foi até muito doloroso. Aquele momento em que você percebe que houve um rompimento na amizade, mesmo que natural, não deixa de ser triste. É como se você estivesse perdendo uma parte do seu próprio ser. Com o passar do tempo, você perde o convívio, perde as afinidades, perde até o contato. E aquelas pessoas que costumavam ser as mais queridas, se tornam praticamente estranhas. Só não o são por completo porque existe o passado em comum, as memórias e as marcas que nos deixaram.

O filme também aborda o ambiente familiar das duas garotas, que mais tarde veremos se misturar. Rosa não teve um pai presente, pois o mesmo fugiu de casa. Logo, a busca por uma figura masculina que cuide dela é perfeitamente compreensível como sua prioridade de vida. No caso de Ginger, pai e mãe são presentes, mas mantêm um casamento conturbado. Principalmente porque o pai é um homem transgressor, que se apoia em ideais de livre-arbítrio e de uma sociedade com mais liberdade de pensamento. Em determinado momento percebemos que muito do que pensa também serve de mera justificativa para suas irresponsabilidades. Mas por ser um homem inteligente, politizado, que lê muito, Ginger se espelha somente nele, pois sua mãe não lhe parece um modelo a ser seguido, já que deixou sua profissão para se dedicar à vida doméstica. E fugir de atividades domésticas é algo que quase todo adolescente tem em comum, inclusive Ginger e Rosa, que, definitivamente, não querem ser como suas mães.

Até aí o filme é mesmo centrado na amizade, mas depois se desenrola predominantemente sob a ótica de Ginger. Somos levados para dentro de suas emoções e, portanto, passamos a nos preocupar mais com ela do que com sua amiga. É Ginger, inclusive, quem enfrenta os maiores conflitos e em sua cabeça misturam-se o medo da Crise dos Mísseis de Cuba e o enfrentamento do seu cotidiano, que vai ficando cada vez mais complexo. Um certo acontecimento envolvendo as pessoas que ela mais ama é crucial, tornando-se o estopim para a bomba interna de seus sentimentos.

Aos poucos nós vemos Ginger passar de menina inocente para uma menina forte e, nesse meio tempo, ela sofre um inevitável colapso. E sofremos junto com ela, até mesmo por relembrarmos um pouco dos nossos dramas. Mas no fim é bonito ver como ela supera seu turbilhão de emoções ao levar um tapa da realidade e consegue aprender com isso. É o que deve acontecer a todo adolescente, seja em tempos de guerra ou não, pois crescer não é fácil para ninguém. ■