Este novo “A Morte do Demônio” é uma boa atualização, parte prequel, parte remake, parte reboot, parte continuação do filme dirigido por Sam Raimi bem no início de sua carreira. E, como no filme de 1981, a produção comandada pelo novato Fede Alvarez destaca-se, principalmente, pelo uso dos efeitos especiais para chegar ao gore. A violência é gráfica como há muito tempo não se via num filme de terror puro. Êxtase para os fãs. Violência fantasiosa, embora com um pé na realidade. Não chega a ser realista como “O Albergue” e “Jogos Mortais”: apela mais para o nojo e menos para os nervos. É horror absurdo.
Uma coisa muito legal do remake e que o diferencia radicalmente do original é colocar como personagem principal Mia, uma jovem dependente química (papel de Jane Levy, rosto até então desconhecido da maior parte do público, da mesma forma como os atores do filme de 1981). E ela não está ali, naquela cabana no meio da floresta, apenas para curtir o fim de semana com os amigos. É uma trama que poderia até ter sido usada como tema alegórico mais profundo (mesmo correndo o risco de cair em um falso moralismo), mas a solução que Alvarez e seu parceiro de roteiro Rodo Sayagues criaram, colocando a protagonista numa verdadeira rehab do inferno (uma hellhab, se preferirem) é criativa.
O principal problema do filme, porém, está também relacionado ao terrível drama de Mia: a historinha dela com o irmão (papel de Shiloh Fernandez) e a subtrama relacionada a mãe deles, mencionada em diálogo, imprime uma carga afetiva desnecessária. Até mesmo trilha sonora piegas é usada nos momentos de maior dramaticidade, evocando um sentimentalismo que o payoff do filme dispensa. A impressão é que Alvarez (e Sayagues) tentaram nos dar o background dos dois para desenvolver os personagens, torná-los tridimensionais, mas o tom usado por eles ficou sério além da conta.
O mesmo problema aflige outra subtrama: a origem do Livro dos Mortos. Tentam explicar de onde ele veio, como funcionam as etapas da possessão, mas o que isso acrescenta é muito próximo de nada. As cenas em que o personagem de Lou Taylor Pucci lê o livro parecem existir apenas para justificar o trabalho do departamento de props, para valorizar o caráter de memorabilia exclusivamente para os fãs. É onde o detalhe não faz falta alguma, vira questão de publicidade.
Alvarez – que é uruguaio, portanto, mais uma voz da nova onda latina do cinema de horror – faz um jogo arriscado, cozinha bastante o clima de tensão com esses subterfúgios. Mas, felizmente, os minutos finais, assim como acontece no original, tornam-se a melhor parte do filme. No longa de Raimi, é nessa derradeira sequência que ele prova seu potencial como realizador, com o uso das angulações, dos planos de detalhe, dos cortes. Se há algo irretocável naquele filme (que, sim, sofreu com a passagem do tempo e com a evolução tecnológica) é a sequência em que Ash (papel de Bruce Campbell) luta sozinho pela sobrevivência em meio ao devaneio.
Tendo em vista a proposta deste novo filme, especialmente o fato de ser um remake, podemos até interpretar sua estrutura narrativa como um ritual/processo de ressurreição/reabilitação do horror contemporâneo. Por mais que tente ir além do normal ao longo de sua duração, o filme faz várias concessões para se tornar “amigável” às plateias e ao circuito comercial de hoje, até despirocar de vez no ato final, recuperando as origens do horror fantástico celebrado por Raimi. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.