"Faroeste Caboclo", na voz de Renato Russo, se transformou em inúmeros filmes na cabeça de pelo menos três gerações inteiras que imaginaram a trajetória errante de João de Santo Cristo e seu romance proibido com Maria Lúcia, atravancado pelo maconheiro sem-vergonha Jeremias. Finalmente, a música ganhou sua versão ilustrada pela visão do diretor estreante René Sampaio e dos roteiristas Victor Atherino e Marcos Bernstein, curiosamente, os mesmos que escreveram "Somos Tão Jovens", a cinebiografia do líder da Legião Urbana, que faz uma boa sessão dupla com esta adaptação de uma das músicas de maior sucesso da banda. A ação, aliás, é espertamente situada no mesmo universo, como se estivesse acontecendo paralelamente à juventude do músico (os shows das bandas universitárias ao fundo, o grupo de amigos tocando violão num banco de praça).

Faroeste Farofa

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“Faroeste Caboclo”, na voz de Renato Russo, se transformou em inúmeros filmes na cabeça de pelo menos três gerações inteiras que imaginaram a trajetória errante de João de Santo Cristo e seu romance proibido com Maria Lúcia, atravancado pelo maconheiro sem-vergonha Jeremias. Finalmente, a música ganhou sua versão ilustrada pela visão do diretor estreante René Sampaio e dos roteiristas Victor Atherino e Marcos Bernstein, curiosamente, os mesmos que escreveram “Somos Tão Jovens”, a cinebiografia do líder da Legião Urbana, que faz uma boa sessão dupla com esta adaptação de uma das músicas de maior sucesso da banda. A ação, aliás, é espertamente situada no mesmo universo, como se estivesse acontecendo paralelamente à juventude do músico (os shows das bandas universitárias ao fundo, o grupo de amigos tocando violão num banco de praça).

Em “Somos Tão Jovens”, o veterano diretor Antônio Carlos da Fontoura surpreende ao mostrar o retrato de um Renato Russo jovem, louco e rebelde, humanizado mesmo que o filme não consiga se desvincular por completo de uma certa atmosfera icônica. O Renato Russo que conhecemos da MTV está lá, mas quem aparece mais é o garoto que queria e viria a se tornar astro de rock. O filme foge, com vigor estético inclusive, do padrão que se espera dessas biografias musicais. Já em “Faroeste Caboclo”, Sampaio vai exatamente de encontro ao mito: ergue uma narrativa emblemática, como se quisesse recompensar o imaginário de todos os fãs da Legião.



O jovem diretor, que tem larga e premiada experiência em Publicidade, demonstra talento nas composições de quadro e, plasticamente, o filme agrada, apesar da fotografia carregar um problema crônico de balanço e temperatura que compromete o resultado de vários planos, especialmente os noturnos (algo que, admito, pode ser, na verdade, problema da cópia – vi o filme em 35mm). Sampaio ainda faz questão de referenciar o faroeste espaguete de Sergio Leone com seus primeiríssimos planos nos olhos do protagonista (vivido por Fabrício Boliveira, muito bem preparado por Sérgio Penna), além do clássico campo e contracampo do duelo de revólveres. Faz isso sem exagero, mas está lá, dando o tom cool, tarantinesco.

E você, até mais ou menos após a metade do filme, provavelmente vai se sentir recompensado pelo trabalho do cineasta. Até mesmo o uso, ao meu ver equivocado, de músicas estrangeiras como trilha não diegética (mais uma vez remetendo ao estilo Quentin Tarantino de fazer cinema, inclusive com uma música já usada pelo diretor de “Pulp Fiction”) você pode aceitar, já que, referência pop por referência pop, é só lembrar que Renato Russo usava-as em várias de suas canções.

Mas a partir de certo ponto, “Faroeste Caboclo” incide num problema que a música em que é inspirado não tem: com seus nove minutos e três segundos de duração, a canção não perde o ritmo, mesmo alternando de estilos pelo menos umas três vezes. O filme, em determinado momento em que a música também muda, passa a adotar um tom fúnebre que se arrasta até o fim e ainda sofre com a infeliz decisão de “preencher” uma elipse temporal que Renato Russo muito inteligentemente inseriu na letra.

E essa é uma das várias mudanças que o roteiro faz em relação à composição original, que de forma alguma é seguida à risca. Não que devesse. Porém, o longa oscila muito entre acertos e erros nas escolhas que faz para alcançar a pretendida fidelidade ao material, que continua a render um filme melhor quando você o escuta – o próprio filme dá ao espectador a chance de tirar a prova durante os créditos finais, quando a música é executada na íntegra.

E a bem da verdade, não só essa, mas outras canções da Legião também preencheram um espaço em nossa memória afetiva que, na época em que foram lançadas, o cinema brasileiro, por questões políticas que todos sabemos e lamentamos, não podia suprir. Já era Renato Russo, pois, um cineasta sem saber. ■

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