Sem lançar um filme desde 2008, o cineasta mexicano Guillermo del Toro volta com tudo com “Círculo de Fogo”, que, a exemplo de seu trabalho anterior, “Hellboy II”, é um filme de monstros.
Na verdade, toda a carreira de del Toro foi construída com filmes de monstros, em menor ou maior escala. Aqui, eles são colossais, imensos, poderosos. A homenagem é explícita ao cinema japonês, que nos deu “Godzilla” nos anos 50 e exportou toda uma gama de outros produtos audiovisuais que se tornaram imensamente populares na TV, com “Ultraman”, “Kamen Rider”, “Jaspion” e “Changeman”, entre outros.
No Ocidente de “King Kong” e Ray Harryhausen, “Círculo de Fogo” é, na memória recente, o mais ambicioso projeto do gênero. Já tivemos outros filmes de monstros gigantes há pouco tempo, como o próprio “Hellboy” de del Toro, o fraco remake de “Fúria de Titãs” e o “King Kong” de Peter Jackson. Mas “Círculo de Fogo” é algo que vai além do escopo de fazer uma homenagem: é um filme que se preocupa com o público além dos fãs de kaiju, o termo japonês usado para definir essas criaturas abissais.
Primeiro porque del Toro tem a preocupação básica de nos deixar ver o que está acontecendo na tela, diferente de outros cineastas que se metem a fazer filmes de ação. Em alguns momentos, há confusão, mas ela é orgânica, surge em um momento de real desordem e pânico. Já na maior parte do tempo das cenas de ação, você vê quando um monstro está sendo desmembrado por um dos robôs jaegers, ou vice-versa. E del Toro ainda é beneficiado pelo tamanho das criaturas, o que naturalmente torna seus movimentos mais lentos, eliminando a necessidade do super slow-motion, tão na moda nos últimos tempos. A câmera lenta, então, é usada apenas em momentos muito específicos, como deve ser.
Outra vantagem de del Toro é que ele se exime de qualquer sentimentalismo. O que há de emoção em “Círculo de Fogo” vem do desenvolvimento dos personagens, e é tudo muito firme, como se espera de um cenário de guerra, graças ainda à escalação bem estudada do elenco.
Temos em Idris Elba um líder nato que se impõe pelo olhar e pela entonação da voz, não pelo porte físico e pelo grito, coisas que ele poderia usar facilmente a seu favor. O herói vivido por Charlie Hunnam é correto, mas tem aquele jeito de anti-herói que o torna mais que um mero soldado determinado. Sua copiloto, interpretada por Rinko Kikuchi, tem atitude e sensibilidade, tendo num flashback um dos melhores momentos do filme, graças, claro, à impressionante atuação da garotinha Mana Ashida. Até mesmo o comediante Charlie Day, irritante em outros filmes, aqui funciona bem como um dos cientistas loucos que tentam encontrar uma forma de derrotar os kaijus.
Com espetacular (sem hipérbole) design de produção e alívio cômico preciso, especialmente nas participações do grandalhão Ron Perlman, frequente colaborador de del Toro, “Círculo de Fogo” é cinema-entretenimento refinado e sem frescuras. Estamos cada vez mais carentes de blockbusters assim. ■
CÍRCULO DE FOGO (Pacific Rim, 2013, EUA). Direção: Guillermo del Toro; Roteiro: Guillermo del Toro, Travis Beacham; Produção: Guillermo del Toro, Jon Jashni, Mary Parent, Thomas Tull; Fotografia: Guillermo Navarro; Montagem: Peter Amundson, John Gilroy; Música: Ramin Djawadi; Com: Charlie Hunnam, Diego Klattenhoff, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Burn Gorman, Max Martini, Robert Kazinsky, Clifton Collins Jr., Ron Perlman; Estúdios: Warner Bros., Legendary Pictures, Disney Double Dare You; Distribuição: Warner Bros. 131 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.