Uma tendência demonstrada pelo primeiro filme da trilogia “O Hobbit” é confirmada neste segundo capítulo, “A Desolação de Smaug”. Peter Jackson quer fazer uma ligação mais próxima entre esses novos filmes e a trilogia “O Senhor dos Anéis”, construindo uma ponte que leva uma história a outra.
Não é exatamente assim que ocorre nos livros de J.R.R. Tolkien, onde a trama de “O Hobbit” é bem menor e despretensiosa. Além disso, a decisão de expandi-la em três filmes de cerca de três horas de duração cada um só se justifica pelo lado mercadológico da coisa: duas trilogias, o dobro de faturamento.
Mas a que custo para o espectador? Fossem três filmes tão bons quanto “O Senhor dos Anéis”, ninguém reclamaria. Mas os dois que já vimos até agora não valem um da trilogia original. Numa comparação com a franquia espelhada por Jackson, podemos dizer que “A Desolação de Smaug” é melhor do que “Uma Jornada Inesperada” da mesma forma que, no universo “Star Wars”, “Ataque dos Clones” é melhor que “A Ameaça Fantasma”.
Só o fato de pensarmos que já passamos quase seis horas naquele universo e ainda não guardamos os nomes de todos os anões que acompanham Bilbo (papel de Martin Freeman) em sua jornada já denuncia que algo que está errado. São 13 anões, e por mais que Jackson tente desesperadamente fazê-los se parecerem com os guerreiros da Sociedade do Anel, elegendo o sábio, o líder, o rabugento, os atrapalhados etc., a verdade é que alguns já poderiam ter ficado pelo caminho e não fariam falta alguma.
E é aí que encontramos o principal problema desses novos filmes: Jackson é muito prolixo. Ele conseguiu corrigir o problema crônico de falta de ritmo de “Uma Jornada Inesperada“, mas ainda não enxerga quando alguns personagens já não são mais necessários. Assim, quando ele finalmente decide dispensar alguns anões da missão, ao invés de manter o foco nos que restaram, ele insiste em ficar voltando para mostrar os que ficaram para trás, construindo uma série de situações anti-climáticas no ato final do filme (problema similar que enfrenta em “As Duas Torres”, quando alterna a batalha do Abismo de Helm com cenas dos hobbits conversando com Barbárvore).
Mas não se pode dizer que “A Desolação de Smaug” possui um ato final. Na época de “O Senhor dos Anéis”, muita gente reclamava que os dois primeiros filmes não tinham um final. Tudo bem, eles terminavam em aberto, mas havia claramente um cuidado em encerrar os eventos de cada capítulo. Já em “A Desolação de Smaug”, é como se simplesmente acabasse a energia no cinema e o filme parasse de passar. Isso não se faz. É frustrante!
Jackson ainda traz de volta Legolas (novamente vivido por Orlando Bloom), em mais uma desculpa para ligar as trilogias, com direito a uma piadinha que remete à rivalidade que o arqueiro terá mais tarde com o anão Gimli. Apesar de o elfo estar na melhor sequência de ação do filme, que se passa em uma correnteza, a verdade é que sua participação só serve para alongar ainda mais a história, em outro indício da auto-indulgência e da falta de noção de limite do diretor. Pelo menos a espera para ver o dragão Smaug é recompensada: os efeitos visuais são muito, muito bons (embora não sejam inovadores) e a interpretação vocal de Benedict Cumberbatch compõe o personagem de modo a torná-lo amedrontador não apenas pelo tamanho.
A ideia de fazer com que “O Hobbit” seja o prólogo de “O Senhor dos Anéis” não é má. Contudo, já está claro que a nova trilogia só se justifica pela ganância de seus realizadores – por sinal, o mesmo mal que fez os anões do filme perderem seu reino. ■
O HOBBIT: A DESOLAÇÃO DE SMAUG (The Hobbit: The Desolation of Smaug, 2013, EUA/Nova Zelândia). Direção: Peter Jackson; Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, Guillermo del Toro; Produção: Carolynne Cunningham, Peter Jackson, Fran Walsh, Zane Weiner; Fotografia: Andrew Lesnie; Montagem: Jabez Olssen; Música: Howard Shore; Com: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Ken Scott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Adam Brown, Dean O’Gorman, Mark Hadlow, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Cate Blanchett, Benedict Cumberbatch, Sylvester McCoy, Mikael Persbrandt, Luke Evans, Stephen Fry; Estúdios: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), New Line CinemaWingNut Films; Distribuição: Warner Bros. 161 min
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.