Sobre a morte de Eduardo Coutinho, não há mais o que falar, apenas lamentar e, dolorosamente, aceitar. Sobre o homem e o artista, muito ainda há de ser dito, por um tempo indefinido.
De todos os cineastas que já entrevistei em minha ainda curta carreira, Coutinho é o recordista: cinco vezes. O primeiro contato foi logo no início, quando cobri a Mostra de Tiradentes, em 2003. Ao lado de Gianfrancesco Guarnieri, outro gigante, ele foi homenageado na noite de abertura, quando também foi exibido “Edifício Master”. No dia seguinte, ele recebeu a imprensa e conversamos brevemente.
Depois disso, voltei a encontrar Coutinho, em Belo Horizonte, no lançamento de “Peões”, em 2004, e, no ano seguinte, para a estreia de “O Fim e o Princípio”. Em todas essas ocasiões, Coutinho demonstrou ser um homem de hábitos e comportamento simples, sem formalidades, sempre vestindo uma camisa de botão para fora da calça. Nas coletivas, começava falando meio resmungão, mas se soltava logo quando pegava interesse pelo assunto – talvez nem devido às perguntas feitas a ele, mas pelo raciocínio que ele elaborava enquanto respondia.
Quando voltei a falar com ele, por telefone, na ocasião em que “Moscou” foi anunciado, isso em 2008, a impressão foi a mesma. De início, uma conversa de respostas curtas, mas que, em seu desenrolar, rendeu ótimos depoimentos. A pauta surgiu de uma reportagem na Folha de S. Paulo que dizia que tinha “baixado o Spielberg” no Coutinho, apenas porque ele filmaria em digital. Contei a ele sobre essa manchete e, após uma risada, ele disse apenas: “Os jornais são capazes de tudo.”
Quando “Moscou” ficou pronto, em 2009, Coutinho retornou a BH, onde o filme foi feito junto com o Grupo Galpão. Aquele foi o nosso último encontro e eu tive a felicidade de registrá-lo em vídeo. Uma lembrança que terei guardada desse artista admirável, que mesmo contra o jornalismo, marcou alguns dos pontos altos de minha vida profissional, e que sempre servirá como fonte de inspiração pela ética, pelo respeito, pela inteligência, pela curiosidade, pela ousadia e pelo amor ao cinema. Um cabra amável – algo de que só tomávamos consciência numa conversa com ele, tal como acontece quando você assiste a seus filmes e aquelas pessoas, mais do que descobertas, permitem-se descobrir.
Também escrevi sobre “Moscou” aqui. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.