“No Limite do Amanhã”, longa-metragem de Doug Liman lançado neste 2014, não é só um inteligente, bem montado e escrito filme de ação, um dos mais interessantes blockbusters lançados este ano. É provavelmente, também, o mais fiel retrato da Hollywood contemporânea.
O personagem de Tom Cruise é um militar que se vê preso numa espécie de videogame de carne e osso, em que precisa recomeçar sua missão toda vez que morre. A “vida extra” é conquistada graças ao contato com as criaturas alienígenas que ele ajuda a combater. Aprendendo os “macetes” a cada uma dessas “partidas”, o protagonista consegue avançar de “níveis” até chegar ao “chefão final”.
Este tem sido o modo de operação dos grandes estúdios desde que a fórmula das múltiplas continuações se esgotou e o golpe das prequels ficou manjado. Nos últimos três, quatro anos, a ordem é dar o reboot, ou seja, reiniciar franquia por franquia, com o propósito da REnovação dos lucros, da REimaginação dos cânones para a REintegração de histórias, personagens e, claro, produtos no imaginário popular.
“Se não temos mais para onde ir, voltemos ao início e recomecemos”, devem concordar os executivos hollywoodianos. Alguns desses certamente estão por trás do quinto filme de “O Exterminador do Futuro”, em que, para justificar a presença de um Arnold Schwarzenegger envelhecido, criou-se uma trama que se passa antes do filme original, de 1984, dirigido por James Cameron, para que toda a história seja reescrita. O trailer recém-lançado remete inclusive a “De Volta Para o Futuro”, com o encontro (outrora proibido, segundo as regras dos filmes de viagem no tempo) de duas versões do mesmo personagem (com a curiosidade de que a suposta “versão original” do T-800 é, na verdade, uma recriação feita por computação gráfica).
Não deixa de ser uma boa sacada e torçamos para que faça sentido, assim como fez o encontro do Spock de Leonard Nimoy com a versão jovem de Zachary Quinto no “Star Trek” de 2009, onde J.J. Abrams e seu time de roteiristas conseguiram não apenas dar o reboot na franquia, mas fazê-lo sem que os filmes anteriores fossem desrespeitados ou esquecidos. Eles criaram uma linha do tempo alternativa que lhes permitiu literalmente rejuvenescer a marca “Star Trek”, que agora é representada por um novo elenco e novas aventuras, mas sem necessariamente apresentar novidades. É bacana de ver, é bem-feito, mas é tudo continuidade, e não originalidade. Parece ser esta a linha que “Terminator” seguirá.
Loop infinito
O caso de “Star Wars” — a nave-mãe dos blockbusters e que já passou pela fase das prequels — é bastante curioso, pois parece ter encontrado seu jeito particular de ter um reboot. O próximo filme é uma continuação direta, o “Episódio VII”, porém, o trailer teaser dá a sensação de um novo começo. Não é para menos, já que J.J. Abrams é o diretor. É provável que o filme seja bem parecido em tom, ritmo e visual com os “Star Trek” que ele comandou, mas com a ação ambientada no universo de “Star Wars”.
A franquia “James Bond” é outra que foi reiniciada com “007: Cassino Royale” (2006), mas sem dar explicações contextuais ou cronológicas, que na verdade não se fazem necessárias, já que as trocas do ator principal são comuns na série de filmes do espião, e cada um deles possui seu momento particular dentro do todo. Porém, “007: Operação Skyfall” (2012, direção de Sam Mendes) dá a entender que a ordem é construir uma narrativa contínua, com filmes costurados pela trama e que recuperam personagens clássicos do universo do agente secreto. A ver no que isso dará com o recém-anunciado “Spectre”, mas não nos espantemos quando um novo reboot for dado. É questão de tempo e dinheiro.
Exemplos não faltam de outras cinesséries que recomeçaram ou estão em vias disso: “RoboCop”, “As Tartarugas Ninja”, “O Planeta dos Macacos”, “A Múmia”… Não podemos ignorar os filmes de terror: “Drácula”, “A Morte do Demônio”, “A Hora do Pesadelo”, “Sexta-Feira 13” (existe algum exemplo melhor do que Jason Voorhees para o “viva, morra e repita”?). Entre os super-heróis, temos o Homem-Aranha, com a renovação completa do elenco e da história de Peter Parker em “O Espetacular Homem-Aranha” (2012-2014), deixando a trilogia dirigida por Sam Raimi (2002-2007) isolada em seu próprio universo. E Batman, com a trilogia “O Cavaleiro das Trevas” (2005-2012), de Christopher Nolan, e, agora, com os filmes da Liga da Justiça, que seguirão a partir do reinício da história do Superman, visto em “O Homem de Aço” (2013, de Zack Snyder).
Se nós considerarmos que, nas HQs, reboots e versões alternativas dos personagens não são novidade, nós percebemos que a influência da Marvel e da DC Comics em Hollywood é bem maior do que se imagina. Junto aos videogames, os quadrinhos oferecem possibilidades para colocar a máquina em funcionamento perpétuo e com o objetivo final de atrair, para esses filmes, não só novas gerações de espectadores. Quem na verdade a sustenta (pois detém o poder aquisitivo) é o público que conheceu a primeira versão e, mais do que ser movido pela curiosidade em saber “como será agora?”, está aberto e acostumado ao conceito de imortalidade de seus personagens. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.