Existe um motivo para filmes pornográficos terem histórias muito ruins: quem os vê, não está interessado em histórias, apenas nas cenas de sexo. "Love", de Gaspar Noé, pode ser chamado de "filme pornográfico de arte".

LOVE: Testando limites

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Existe um motivo para filmes pornográficos terem histórias muito ruins: quem os vê, não está interessado em histórias, apenas nas cenas de sexo. “Love”, de Gaspar Noé, é o que pode ser chamado de “filme pornográfico de arte”.

O diretor argentino radicado na França filma pessoas transando nas mais variadas posições e com o mais variados parceiros. Em certo momento, o personagem principal — não por coincidência, um rapaz que afirma ser diretor de cinema — diz que o seu sonho é fazer um filme de “sexualidade sentimental”. Esta também é a intenção de Noé, mas, ao bem da verdade, ele não demonstra saber qual história quer contar ou mesmo se quer contar uma história.



O roteiro não é coeso, parece um brainstorm, um rascunho de um filme sobre esse jovem cineasta (vivido por Karl Glusman, o único ator não estreante do trio principal) que relembra a intensa relação vivida com uma belíssima mulher (Aomi Muyock) que conheceu em uma festa em Paris. Logo na primeira meia hora, o longa já nos mostra que o romance acabou, que a ex-namorada do protagonista está desaparecida e que ele teve um filho com uma vizinha (Klara Kristin) íntima do casal. Durante todo o restante do filme, o rapaz tentará fazer contato com sua antiga paixão, enquanto o sofrimento e o arrependimento batem forte.

São quase duas horas mais até o fim, a maior parte delas preenchida por cenas de sexo, todas elas longas e explícitas. Não é que essas cenas não se justifiquem, pois se há na tela a proposta do fluxo de consciência (que, convenhamos, pode servir da vanguarda à picaretagem), elas não soam gratuitas como em um pornô fajuto. O problema é que, depois de um tempo, fica a impressão de que Noé está interessado apenas em explorar os corpos dos atores, seus próprios desejos e fetiches e, claro, a curiosidade do espectador (a ponto de debochar dele com uma cena em que usa o efeito 3D para “jogar” algo em direção à plateia).

Aí a sensação é de que “Love” é um filme de fossa, feito por alguém que teve uma terrível experiência amorosa, ainda que sexualmente inesquecível, e que luta para superá-la. Noé talvez seja diretor e protagonista. Talvez o filme seja um desabafo do diretor, mas também pode simplesmente não passar de uma costura mal feita que serviu/serve apenas ao prazer de filmar e observar o sexo alheio — ato que não carrega em si nada de condenável, é bom frisar. Mas isso basta como cinema?

Noé, que em filmes anteriores, especialmente no impactante “Irreversível” (2002), já havia demonstrado grande habilidade com sua câmera acrobática e sem limites (que não só tudo observa, como também voa, atravessa paredes e até mesmo entra  nos personagens), consegue fazer as cenas de sexo serem esteticamente interessantes, mas emocionalmente ele não chega a lugar algum, ou pelo menos não me levou até esse destino pretendido. “É porque isso vai da subjetividade de cada um.” Tudo bem, mas nem mesmo a tola narração em off, usada para dar ao público acesso direto aos pensamentos do protagonista, ajuda a criar um vínculo com ele. Por sinal, o rapaz pensa e diz frases misóginas e homofóbicas, então, é difícil se importar ou gostar daquela pessoa.

Um outro filme com essa mesma proposta de sexo explícito e que também tem um personagem principal que relembra uma relação amorosa é “9 Canções”, de 2004, dirigido por Michael Winterbottom (escrevi a respeito aqui). A grande diferença é que ele consegue organizar as memórias narrativamente, mesmo sem apresentar uma trama. Já “Love” parece ligado no modo aleatório e, assim, amplia suas chances de falhar em manter o espectador interessado pelo que acontece na tela quando os atores não estão despidos. ■