Para Walter Benjamim, a função emancipadora do Cinema está, em primeiro lugar, na sua reprodutibilidade técnica, facilitando o acesso ao público e tornando possível sua educação, politização e formação de repertório pela arte. Nesse processo, porém, há perda da relação aurática e há críticas possíveis quanto à qualidade do material e da experiência, em decorrência da produção e distribuição seriais. Mas a reprodutibilidade é o que democratiza a arte, sendo essa perda da aura importante para que todos tenham acesso ao que antes era de alcance somente de elites, uma minoria privilegiada. E para além da questão do acesso, há modificações quanto às potencialidades da imagem, pois segundo Benjamin, no momento em que o critério da autenticidade (que advém da aura) deixa de aplicar-se à produção artística, a função social da arte se transforma, deixando de fundar-se no ritual, e passando a fundar-se na práxis política.
É aí que entra a função emancipadora do Cinema que está na possibilidade de dar voz ao trabalhador comum e ser um lugar onde as massas possam se ver representadas. Um filme “bejaminiano”, portanto, seria aquele que mostre o operário ou camponês, sua subjetividade, suas vivências e experiências, numa perspectiva a favor da consciência de classe e como uma “vingança” contra a máquina através também de uma máquina. Ou seja, a humanidade do trabalhador – tão negada em rotinas diárias exploradoras – seria afirmada através do intérprete (o ator em cena) que o representa diante de uma câmera. Porém, o controle dessa relação entre massa e intérprete, segundo Benjamin, só poderá ser utilizada politicamente se o cinema se libertar da manipulação do capitalismo. O capital cinematográfico conflita com o potencial revolucionário do cinema e acaba por transformar a experiência do filme em mera mercadoria alienante e, portanto, faz perder sua característica emancipadora, funcionando em oposição a essa ideia, sendo mais explorador que libertador e agindo a favor da manutenção do status quo.
“Dançando no Escuro”, de Lars von Trier, é um exemplo de obra benjaminiana por se relacionar a função emancipadora do cinema – e não a exploradora -, uma vez que a personagem principal, Selma, é uma operária de fábrica, encontrando no filme sua condição de classe. Ao mesmo tempo em que ela está sendo subjugada pelas máquinas do trabalho, a máquina do Cinema proporciona uma resposta, um enfrentamento – a vingança, segundo Benjamin. A força trabalhadora move o filme. Selma não representa apenas a si mesma, um indivíduo na narrativa, mas toda uma classe que precisa ser entendida de forma humanizada e não como peças ou números. O filme também suscita discussões sobre maternidade e questões feministas através da subjetividade dessa mulher. Aos poucos, Selma evolui da alienação de um cinema puramente comercial para a tomada de consciência e se impõe ao ritmo da fábrica, usando, por exemplo, sua paixão por musicais para a crítica à sua rotina desumanizante, ainda que numa dimensão imaginária e, portanto, utópica. O filme se apropria dessas imagens alienantes dos musicais para ressignificá-las numa subversão política.
Editora, crítica de cinema e podcaster do Cinematório. Filiada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e membra do Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Jornalista profissional pela UFMG e com formação em Produção de Moda pela mesma instituição. É cria dos anos 90 e do interior de Minas.