Todd Haynes é um desses diretores que levam tempo para fazer um filme. Entre um título e outro de sua filmografia, há intervalos mais longos que o habitual, sendo que desde o último, “Não Estou Lá”, até este mais recente, “Carol”, passaram-se oito anos. E a espera sempre vale a pena. Haynes sempre nos proporciona filmes com visual apurado, trabalhado por ele junto ao diretor de fotografia Edward Lachman, com quem ele trabalha desde “Longe do Paraíso”, longa, aliás, com qual “Carol” mais se relaciona dentro da obra do cineasta.
Os dois filmes se passam na década de 1950 e envolvem mulheres em crise no casamento. “Longe do Paraíso” é um belíssimo melodrama que remete a Douglas Sirk, diretor de “Imitação da Vida”, “Tudo que o Céu Permite” e outros clássicos da época. E “Carol” também parece ser um produto daquele tempo, dado o cuidado que a direção de arte teve em recriar figurinos, cenários, carros e objetos vistos em cena.
Já a forma como Haynes narra a história de amor entre duas mulheres é de um progressismo exemplar. Sem usar estereótipos, sem fazer julgamentos, tratando o romance entre as personagens como fruto de sentimentos compartilhados por dois seres humanos, sem distinção de gênero, “Carol” é um filme atual. Ou pelo menos deveria ser e quero acreditar que ele ajuda a avançar a conquista de igualdade não só na questão homossexual, mas também na representatividade, já que é um filme com e sobre mulheres.
Nesse sentido, deve-se notar como “Carol” é também um filme sobre confinamento e liberdade, em que as imagens simbolizam como a personagens se sentem oprimindo suas vontades em uma sociedade que as vê como diferentes. O aspecto visual mais representativo disso, e que gera cenas muito bonitas, são as várias e várias camadas de reflexos que Haynes e Lachman colocam sobre as atrizes, seja no vidro da janela do carro, seja na vitrine de uma loja. Mas há também os enquadramentos que as colocam entre paredes, espremidas, sem saída. Escolhas que também denotam a sensação limite a que as duas chegaram, tendo que encontrar uma forma de transbordarem dali. Não à toa precisam fugir para se sentirem livres, inclusive de si mesmas, dos papéis que representam. E o quão representativa é a presença da câmera fotográfica nessa relação, uma vez que há um fascínio em via de mão dupla: de Therese pelo olhar de Carol e, talvez ainda maior, de Carol pela imagem que Therese faz dela. Há nessa forma de serem vistas uma forma de liberdade também.
“Carol” foi indicado a seis estatuetas do Oscar, sendo que todas são merecidas: atriz principal para Cate Blanchett, atriz coadjuvante para Rooney Mara e ainda roteiro adaptado, já que é basedo no livro de Patricia Highsmith (daí vem a carga de suspense da trama), fotografia, figurino e trilha sonora, composta magistralmente por Carter Burwell. Mesmo assim, “Carol” é uma das produções mais injustiçadas deste Oscar, já que não concorre a Melhor Filme ou Melhor Direção. Haynes, aliás, tem no currículo apenas uma indicação até hoje, pelo roteiro de “Longe do Paraíso”. Já é mais do que conseguiu Sirk, que nunca foi lembrado pela Academia e é um dos grandes diretores de todos os tempos. ■