“O Bom Dinossauro” (The Good Dinosaur, 2015) é a abordagem mais profunda da Pixar ao western até agora. Em “Carros” (2006), o estúdio também visitou o mais americano dos gêneros, a história de um solitário que chega a uma cidade, um herói que precisa aprender a ser humilde. Já no novo filme é a história de uma família e de um cowboy, também solitário, que busca a redenção.
A profundidade está na relação do protagonista e do filme com a natureza. Desde “WALL·E” não se vê um filme tão bonito da Pixar em termos fotográficos (a busca pelo realismo na animação que é tradição da Disney, aliás, desde “Branca de Neve e os Sete Anões”, 1937). O personagem principal é Arlo, um jovem e medroso apatossauro que, diferente de seus irmãos, não consegue cumprir as tarefas da fazenda em que vive. Sentindo-se ainda mais pressionado pela obrigação de ter o reconhecimento (e o perdão) do pai, ele se vê forçado a embarcar sozinho em uma aventura para provar que é capaz de superar seus traumas.
Dirigido pelo estreante Peter Sohn (que, como os demais diretores da Pixar, foi “promovido” após desempenhar funções nos departamentos de arte e animação e dirigir um curta, “Parcialmente Nublado”, 2009) e escrito por Meg LeFauve (“Divertida Mente”), o longa utiliza estrutura clássica da jornada do herói de volta para casa, sendo assim também um road movie. No caminho, Arlo encontra diversos personagens e vive experiências que o levam em direção ao amadurecimento e à vivência que não obteve na fazenda.
O que há de mais interessante nessa trajetória são as tensões que surgem entre Arlo e a natureza opressora, muito própria do western (algo que é possível compreender desde o primeiro plano, em que a câmera, em panorama, localiza a fazenda ao pé do vale montanhoso). A relação do rapaz é difícil não apenas com o meio-ambiente, que o machuca da forma mais cruel imaginável, mas com o próprio corpo, visto que, numa possível metáfora para a puberdade, sua anatomia dificulta a adaptação a circunstâncias adversas de sobrevivência. E sendo a natureza um personagem tão importante para o filme, faz todo sentido a Pixar ter investido pesado no que provavelmente é o seu trabalho mais apurado fotograficamente até aqui, com um realismo que chega a ser assustador.
No entanto, “O Bom Dinossauro” claramente não é dos roteiros mais inventivos do estúdio e possui um moralismo incômodo na meta de Arlo em “deixar sua marca”, como se dependesse disso para ser alguém na vida. Coisas do “american way of life” que o filme poderia problematizar, mas que acaba abraçando, muito devido à necessidade de um plot, ainda que o grande feito de Arlo seja mais nobre e mais humano do que simplesmente prosperar como o pai queria. Ainda assim, o plano final deixa bem claro que essa necessidade de “ser alguém” e “vencer” é imposta, e ainda coloca Arlo acima dos irmãos.
Algumas inspirações também minam a originalidade do longa, com cenas que remetem imediatamente a “O Rei Leão” (até mesmo similares das hienas estão lá) e a “E.T. – O Extraterrestre” (temas como desapego, devolver a criatura para sua casa, o pertencimento à família etc. Tem até a cena da bolinha). Além disso, os personagens que Arlo encontra no caminho são insípidos. Os tiranossauros são os melhores, mas os demais são ou bobos (como o tricerátopo lelé) ou vilões caricatos e, inclusive, desenhados aquém do que a Pixar já provou ser capaz (parecem saídos de “A Era do Gelo”). Irrita um pouco, também, um excesso de caretas, gritos e gags que certamente têm como alvo o público infantil. O garoto humano também parece existir no filme com essa função, já que sua substituição por um animal que fosse não me parece que atrapalharia a narrativa principal.
“Divertida Mente”, lançado pouco antes de “O Bom Dinossauro”, é um dos melhores filmes da Pixar e a tarefa de superá-lo é muito difícil, até mesmo pela proximidade. Ainda não houve tempo para os dois respirarem. Mas, em primeiro lugar, por que tem que existir tal tarefa? É injusto (mas muito corriqueiro, aliás) criar a obrigação de um filme ser melhor ou mesmo tão bom que o outro, pois mesmo quando não conta suas histórias mais inspiradas, a Pixar entrega visuais belíssimos e nesta simpática aventura existem cenas muito boas. O conjunto é que é problemático. É possível, inclusive, que os próprios realizadores tenham se prejudicado por se forçarem a corresponder às expectativas, deles e dos outros. O filme fala sobre isso, afinal, mas é uma indagação que só eles podem responder. ■