“O Regresso” (The Revenant, 2015) é um filme de sobrevivência e vingança, em que o diretor Alejandro González Iñárritu tenta levar às últimas consequências a intensa relação entre o protagonista e o meio ambiente. Rodado ao longo de quase um ano em locações no Canadá, Estados Unidos e Argentina, sob as exatas condições climáticas hostis vistas na tela, o longa acompanha os esforços de um caçador (interpretado por Leonardo DiCaprio) em se recuperar de graves ferimentos causados por um urso pardo, o qual o atacou durante uma expedição pelo oeste selvagem norte-americano, no ano de 1823. Combalido, sem nem mesmo conseguir falar, ele ainda é abandonado à beira da morte por seus colegas.
Como história, “O Regresso” é um filme muito simples e com poucos diálogos. Se por um lado é bom termos um filme desse porte (custou US$ 135 milhões, tem um diretor vencedor do Oscar e um astro como DiCaprio) investindo muito mais na linguagem visual para construir sua narrativa, por outro incomoda a eloquência em excesso de Iñárritu. Mesmo reprisando a parceria com o renomado diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (com quem já havia trabalhado e ganhado seu primeiro Oscar por “Birdman”), o cineasta falha justamente em sua tentativa de tornar o filme epiritualmente grandioso, fazer dele um épico sobre a dolorosa jornada de sobrevivência de um homem abandonado em meio à natureza selvagem.
Que o fato de Iñárritu deixar o espectador exaurido ao fim da projeção seja proposital não é exatamente o problema. O que atrapalha, e isso do ponto de vista estético, é uma aparente falta de elaboração dos planos, vários deles longos, mas constituídos de movimentos de câmera errantes, que servem como um olhar perdido no cenário, como se isso fosse imprimir à imagem um grau de realismo e colocar o espectador na ação. O uso de luz natural na filmagem corrobora com essa intenção dos realizadores, mas, particularmente, acredito que um pouco de rigor formal não faz mal a ninguém. É só assistir aos filmes de Andrei Tarkovsky, que eu cito aqui não por acaso, já que Iñárritu e Lubezki quiseram homenageá-lo. Mesmo que tenha buscado constantemente um desprendimento das convenções do cinema narrativo, Tarkovsky nunca abriu mão de se expressar visualmente, algo que em “O Regresso” me soa apenas como pretensão.
Daí que você tem um filme em que a relação do protagonista com a natureza externa é extrema, nós temos essa fisicalidade na tela, o que é bom. Mas também é um filme que não demonstra o mesmo interesse pela relação do homem com sua natureza interior, ainda que busque representá-la por meio de flashbacks e projeções mentais do personagem, mas que ficam por isso mesmo: são flashes de questões que poderiam ser aprofundadas, em especial a questão indígena. Por isso DiCaprio me parece ser a melhor coisa de “O Regresso”, já que depende muito do olhar para se comunicar com o espectador e passar para ele sua dor, tanto física quanto espiritual. E nessa intenção ele é mais bem-sucedido do que Iñárritu. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.