Ícone do site cinematório

SPOTLIGHT, TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE e a morte do bom Jornalismo

Spotlight - Segredos Revelados (Spotlight, 2015)

Nas quase quatro décadas que separam “Spotlight” de “Todos os Homens do Presidente”, o Jornalismo passou por várias e permanentes transformações. As novas tecnologias ditaram os rumos da atividade jornalística, sendo que há um período crítico que o vencedor do Oscar deste ano não retrata.

“Spotlight” se passa em 2001 e representa um último respiro do jornalismo investigativo, que, paulatinamente, nos anos seguintes, deu lugar ao jornalismo especulativo. Hoje, com a cultura do “tempo real” e a presença das redes sociais em nosso cotidiano, termos como “suposto”, “provável”, “desmentiu”, “direito de resposta” e “errata” aparecem com muito mais frequência nos noticiários do que os fatos.

Em “Todos os Homens do Presidente”, Robert Redford e Dustin Hoffman interpretam os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal Washington Post. A dupla escreveu uma série de reportagens sobre o escândalo de Watergate, que culminaria na renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon, em 1974. Com seu estilo objetivo e direto, mas nem por isso genérico, Alan J. Pakula filma o processo investigativo dos jornalistas, também autores do livro sobre o caso no qual o roteiro de William Goldman é baseado.

Por sua vez, “Spotlight” também é baseado em um episódio real e polêmico, em que a equipe de jornalismo investigativo do Boston Globe apurou denúncias de abuso sexual contra crianças por padres da Igreja Católica. A série de reportagens venceu o prêmio Pulitzer em 2003. Apesar de não demonstrar o mesmo apreço estético que Pakula — que teve o benefício de ser assessorado pelo renomado diretor de fotografia Gordon Willis (recomendo esta bela análise de enquadramentos selecionados) — o diretor de “Spotlight”, Tom McCarthy, também é minimalista no acompanhamento das investigações feitas pelos jornalistas do filme, vividos por Mark Ruffalo, Rachel McAdams, John Slattery e Michael Keaton.

Em suma, nas duas produções o trabalho jornalístico sério é enaltecido, mas, tragicamente, são filmes que retratam, com caráter quase documental, uma profissão em extinção. Hoje, entre zilhões de portais, sites, blogs e perfis no Facebook, que publicam e replicam informações e desinformações na base do copiar e colar, não há espaço para o exercício da reportagem como vista nesses dois filmes. A apuração, que é a base do jornalismo ético, é uma prática em desuso e que não consegue acompanhar a velocidade com que um boato é compartilhado.

Por já poderem ser considerados filmes de época (o que de forma alguma significa dizer que são filmes “velhos”, “ultrapassados” ou “anacrônicos”), “Spotlight” e “Todos os Homens do Presidente” também não precisam se preocupar em explorar um aspecto fundamental do neo-jornalismo: a participação do leitor, responsável direto pelo chamado “efeito viral”. Nem mesmo filmes que se passam nos dias atuais costumam tocar neste tema. Pois deveriam. Questões morais e éticas também envolvem os receptores da notícia, questões que dizem respeito à cidadania  e que se fazem ainda mais graves nos tempos em que vivemos, com a banalização da informação. As pessoas que adotam uma postura passiva diante de tudo o que leem, ouvem e veem deveriam questionar o material que recebem antes de qualquer coisa.

Num momento em que o Jornalismo aposta na tendência de que o público seja cada vez mais participativo na elaboração das notícias, é necessário que esse leitor-transmissor seja consciente de seus atos também. De outro modo, o que teremos não é a morte apenas do Jornalismo, mas também do caráter humano que se imagina que ainda existe na sociedade e que sobra aos repórteres de “Spotlight” e “Todos os Homens do Presidente”. ■

Sair da versão mobile