Apesar de conter cenas de lutas com espadas e artes marciais, é bom dizer que “A Assassina” (The Assassin, 2015) não é um filme de ação.
O longa é dirigido pelo talentoso e multipremiado cineasta taiwanês Hou Hsiao-Hsien, que no ano passado ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, lugar onde ele é figura presente desde os anos 90, quando ganhou, em 1993, o Prêmio do Júri por “Mestre das Marionetes”. E antes, no igualmente prestigiado Festival de Veneza, ele já havia levado o Leão de Ouro por “A Cidade do Desencanto” (1989).
“A Assassina” se passa no século 9, durante os últimos anos da dinastia Tang. A personagem do título é interpretada pela atriz Shu Qi, que já havia trabalhado com Hou no drama romântico “Três Tempos” (2005), onde ela vive três papéis, em três épocas diferentes. O novo trabalho dos dois também envolve uma história de amor, mas pautada pela tragédia.
A protagonista é enviada pelo governo para matar oficiais corruptos, mas ao demonstrar misericórdia e não completar a missão, ela recebe, como punição, a tarefa de assassinar o governador da província de Weibo (papel de Chang Chen), que é seu primo e de quem ela já foi noiva.
Desde o início, o filme deixa clara a sua proposta. As cenas são geralmente filmadas em planos fixos e a movimentação, quando ocorre, é sutil e ocorre no eixo da câmera. O estilo segue o rigor das tradições dos palácios chineses, com tudo muito metódico, não apenas nas atitudes e nos rituais, mas também na ornamentação e na forma de vestir.
Por isso não se deve esperar de “A Assassina” sequências de luta longas e espetaculares como aquelas que vimos em filmes como “O Tigre e o Dragão” (2000), de Ang Lee, e “O Clã das Adagas Voadoras” (2004), de Zhang Yimou. A tradição dos filmes Wuxia, em que os personagens dão saltos enormes como se voassem, é mantida por Hou Hsiao-Hsien, mas os duelos não estão a serviço do mero entretenimento. Eles acontecem e acabam de acordo com as motivações da narrativa e possuem também um caráter simbólico para os personagens.
Não que isso implique em um filme sem ação. Na verdade, a ação acontece o tempo todo, mas ela é calculada. Pode até passar uma impressão de leveza, mas não se engane quanto à sua intensidade.
O que “A Assassina” também compartilha com outros filmes de artes marciais chineses é a fotografia, aqui assinada por Mark Lee Ping Bing, que repete com Hou a parceria de “A Viagem do Balão Vermelho” e que também trabalhou com Wong Kar-Wai em “Amor à Flor da Pele”.
Aí, sim, podemos esperar ver em “A Assassina” as mesmas belíssimas imagens que encontramos nesses dois filmes. E daí a importância de a câmera não se mover tanto e os planos serem longos, pois Hou nos permite apreciar as imagens em sua plenitude. E como elas são de “tirar o fôlego” (expressão geralmente associada a cenas de ação hollywoodianas, diga-se de passagem), nada mais apropriado que possamos respirar ao contemplá-las. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.