O sábado começou cedo com seminários de Educação e de Arquivos e, por volta do meio-dia, as ruas do centro de Ouro Preto foram tomadas por novas cores, muita música e dança com o Cortejo da Arte, tradicional passeio musical que sai da Praça Tiradentes, percorre a Rua Direita e vai de encontro ao Cine Vila Rica.
À tarde, nosso editor Renato Silveira acompanhou dois seminários: “No primeiro, Os Deserdados da Nova República, um dos pontos altos do debate foi a fala de Cléber Eduardo, crítico de cinema e professor do Senac de São Paulo, que destacou a forma como a juventude se apresenta em filmes brasileiros realizados nos anos 80 e como há um sentimento de incerteza sobre o que o novo rumo da política reservaria àqueles jovens.”
Mas a melhor participação, segundo Renato, foi a do cineasta Edgar Navarro: “Navarro, que apresenta neste domingo seu filme ‘Superoutro’, falou um pouco sobre sua trajetória artística na década de 70, durante o curso da ditadura, e dividiu com a plateia suas percepções também sobre a obra de Glauber Rocha nesse período de transição política, em específico os filmes que ele fez no exílio até seu retorno com ‘A Idade da Terra’. Para Navarro, é um filme que não pode ser compreendido sem associá-lo a ‘O Leão de Sete Cabeças’ e ‘Cabeças Cortadas’. Navarro ainda criticou o atual governo provisório, comparando o fechamento da Embrafilme no governo Collor à extinção do Ministério da Cultura por Michel Temer (que acabou recriando a pasta após pressão dos artistas).”
No seminário com o tema Fragmentos da Vida: Sobre “Um Dia na Vida”, de Eduardo Coutinho, Renato analisa: “Será muito difícil outro debate ser tão relevante e mesmo comovente como este, que começou com a leitura de um belo ensaio sobre ‘Um Dia na Vida’ pelo professor Cezar Migliorin e que contou com a presença especialíssima da pesquisadora Consuelo Lins (colaboradora de Coutinho em ‘Edifício Master’) e do cineasta João Moreira Salles, que trabalhava lado a lado com Coutinho desde 1999 e que foi quem finalizou o derradeiro filme de Coutinho, ‘Últimas Conversas’, também exibido na CineOP.”
Renato destaca o presente compartilhado por Salles com o público do debate: “Salles teve a imensa generosidade de levar para o seminário dois cadernos de anotações que Coutinho escrevia como forma de reunir ideias para filmes que um dia poderia vir a fazer. Salles leu alguns trechos das páginas que continham coletâneas das mais variadas informações, desde anúncios recortados de páginas de classificados de jornal até piadas de salão e resumos de novela. Segundo Salles, a ideia de Coutinho era fazer um filme de citações, em homenagem a Walter Benjamin (filósofo e crítico cultural muito admirado por Coutinho), em que ele pediria para atores interpretarem ou declamarem esses recortes que ele fez de material encontrado no cotidiano da mídia impressa.
“A ideia por trás de ‘Um Dia na Vida’, segundo Salles, era a mesma, mas Coutinho teria desistido de fazer um outro filme a partir dele, porque entendeu que seria impossível superar aquilo que os programas de TV já faziam ‘tão bem’. Salles ainda ponderou que, por mais que pareça que Coutinho reuniu aqueles trechos de programas de forma a mostrar o quanto a programação televisiva é repleta de atrocidades, a visão do próprio Coutinho sobre aquilo não era essa, pois muitas daquelas aberrações ele via com grande prazer — reconhecendo, claro, os problemas ali contidos, mas admirando a performance, por exemplo, da apresentadora Márcia Goldschmidt. Enfim, foi uma participação altamente reveladora dos bastidores da produção de ‘Um Dia na Vida’ e também foi uma forma de Salles trazer para as pessoas ali reunidas um pouco mais do que era o Coutinho, um de nossos grandes cineastas e que deixou um vazio enorme no cinema brasileiro após sua trágica morte, em 2014.”
Após os seminários, a programação seguiu apresentando curtas e médias da Mostra Contemporânea e da Mostra Educação. Adentrando a noite, duas preciosidades da história do cinema brasileiro foram exibidas no Cine Vila Rica: “A Próxima Vítima”, de João Batista Andrade, que inclusive é convidado da CineOP, e “Extremos do Prazer”, de Carlos Reichenbach, obra rara, exibida em 35mm. Ambos citados pelo curador da Temática Histórica Francis Vogner dos Reis como destaques entre os filmes que abordam a abertura política em entrevista reproduzida pelo Cinematório.
No Cine na Praça, o longa “Filhos de Bach”, co-produção Brasil-Alemanha de Ansgar Ahlers, filmado aqui mesmo na cidade de Ouro Preto, foi apresentado a moradores, turistas e público em geral, em pré-estreia nacional. Ou seja, o cenário da tela foi também o cenário vivo ao redor da sessão de cinema.
As apresentações musicais que encerraram o dia no Centro de Convenções foram dos artistas DJ Belezazu e Marcelo Veronez. Marcelo é intérprete, cantor e ator reconhecido e premiado na cena cultural mineira. Acompanhado do trio Rafael Madanelo (baixo e vocais), João Castro (guitarra e vocais) e Isabella Figueira (bateria), ele entregou um show de muita qualidade, chamado “Não Sou Nenhum Roberto”, onde ele faz uma releitura de clássicos de Roberto Carlos, Erasmo e outros compositores relacionados. Mas não é qualquer releitura, não. A música e a performance contagiaram a todos com muita sensualidade, diversão e rock n’ roll. A energia perfeita para um sábado à noite, que emana do Marcelo e de seu talento e tesão pelo que faz. É um deleite poder presenciar sua arte.