O domingo da CineOP trouxe debates e reflexões de muita pertinência para a produção audiovisual brasileira. A começar pela discussão sobre a relação do cinema com a educação. Relação esta que vem se estreitando cada vez mais, dada a necessidade de novas abordagens pedagógicas e do reconhecimento do cinema como ferramenta de ensino e aprendizagem. Foram discutidos, inclusive, os avanços e perspectivas da Lei 13.006/14, que obriga a exibição de duas horas de cinema nacional por mês nas escolas de educação básica. Também houve debates sobre a preservação de arquivos audiovisuais da televisão e sobre política cultural e direitos autorais.
Neste último, intitulado “Política Cultural e Os Direitos Autorais – Novos Desafios em Tempos de Novos Formatos de Difusão de Conteúdo Audiovisual: Internet, VOD, Novas Mídias”, nosso editor, Renato Silveira, esteve presente e relata que “um dos principais questionamentos levantados foi sobre as principais dificuldades jurídicas e políticas para o cumprimento da lei que protege os direitos autorais de filmes brasileiros na internet. O debate também refletiu sobre as carências do setor audiovisual, tanto no que diz respeito ao posicionamento tímido de parte da classe artística em reivindicar investimentos e um olhar mais respeitoso sobre a atividade cultural quanto sobre a forma discriminatória como os setores responsáveis tratam o audiovisual, como se não fosse uma indústria tão importante quanto a do turismo, por exemplo.”
Renato também destaca que “outro ponto discutido, principalmente pelos cineastas presentes, Pola Ribeiro e Sylvio Back, foi a distribuição do dinheiro que é pago ou que deveria ser pago sobre a exibição de filmes nos serviços de streaming, seja YouTube ou Netflix. Foram questões fundamentais e que precisam continuar a ser debatidas dada a complexidade jurídica que envolve a proteção de direitos autorais e propriedade intelectual.”
Na Mostra Histórica – Case Cinema e TV, mas em diálogo também com o tema Educação, houve exibição de “Retrato de Classe”, documentário média-metragem de Gregório Bacic, produzido em 1977 para o programa Globo Repórter. A partir de uma foto de 1955 da turma do 2º ano primário do já extinto Colégio Carlinda Ribeiro, de São Paulo, o filme vai ao encontro dos alunos e de sua professora 22 anos depois, além de promover uma festa de reencontro entre eles. A narrativa é construída a partir dessa foto, dos comentários em off da professora sobre como eram seus alunos e o que ela imagina que eles seguiram como profissão, depoimentos de alguns deles e cenas do reencontro.
Ao longo da obra vamos identificando os imperativos da passagem do tempo na vida daquelas pessoas, o que nos faz refletir sobre expectativas e realidades, sonhos de criança e concretizações de adultos, relação pais e filhos, tensões de classe social e questões de gênero e de raça. Mas o que mais vemos aflorar é a discussão sobre a autonomia dos sujeitos. São muitos os fatores externos que interferem nas nossas escolhas pessoais. E muitas vezes essas escolhas são mais submetidas às regras da sociedade ou à vontade alheia do que à nossa própria vontade.
O diretor esteve presente para apresentar sua obra e disse estar emocionado, pois era sua primeira homenagem recebida. Após a sessão, aconteceu um bate-papo sobre o filme e a realidade retratada por ele sobre a classe média urbana em pleno período de modernização econômica.
Na Mostra Educação, foi exibido “Acabou a Paz, Isto Aqui Vai Virar o Chile, Escolas Ocupadas em São Paulo”, documentário dirigido por Carlos Pronzato sobre o levante dos estudantes paulistas no segundo semestre de 2015 contra o fechamento de 94 escolas, que culminou na ocupação de mais de 200 instituições de ensino estaduais. Um filme que nos mostra a coragem, a autonomia e solidariedade dos secundaristas, que se uniram para exigir seus direitos e enfrentar o descaso do governo de Geraldo Alckmin com a educação.
Mas muito mais do que isso, vemos na tela como aqueles jovens estão amadurecendo, criando consciência política e social, apontando as falhas da educação brasileira e trazendo ideias novas para sua melhoria. Obra indispensável na compreensão do movimento e para a discussão sobre o ensino público do nosso país, que inclusive está disponível no Youtube.
No Cine Vila Rica, pela Mostra Histórica, houve exibição de “Lost Zweig”, de Sylvio Back e no Cine BNDES na Praça, pela Mostra Homenagem, foi a vez de “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho. Mais tarde no Cine Vila Rica, aconteceu também a sessão dupla de médias “Bahia Sci-Fi”, de Petrus Pires, e “Superoutro”, de Edgard Navarro. Este último, filme de ficção de 1989, tem Salvador como cenário e seu personagem central é um morador de rua, um anti-herói contemporâneo, de imaginação alucinada, que vai interferindo na paisagem e na rotina da cidade de uma maneira bastante excêntrica e provocativa.
No final da noite, curtas da Mostra Venturas foram apresentados no Cine Vila Rica e, logo depois, a arte musical foi do grupo 7 Estrelo e da Festa Trambique, criada pela dupla de DJs Belezazu e BDT, com embalos de várias vertentes musicais que ganharam força na década de 80.
Editora, crítica de cinema e podcaster do Cinematório. Filiada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e membra do Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Jornalista profissional pela UFMG e com formação em Produção de Moda pela mesma instituição. É cria dos anos 90 e do interior de Minas.