Em “O Futebol”, não há um lance de gol sequer, embora o grito da torcida seja escutado. Na verdade, não há nem mesmo uma imagem de uma partida sendo disputada, apesar de o filme ter sido feito (e se passar) durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
Ainda assim, “O Futebol” é um filme sobre futebol, ou melhor: sobre a memória do que foi o futebol. O esporte – ou ex-esporte, dependendo de como você o interprete na forma como é praticado hoje – é o ponto de partida do longa e o que motiva o diretor Sérgio Oksman a propor ao pai passarem a Copa juntos, relembrando os velhos tempos em que iam ao estádio ver jogos do Palmeiras.
Mas o pai de Sérgio, Simão, não quer voltar ao estádio. Na verdade, ele mal se importa com os jogos que passam na TV. “Nem parece Copa”, reflete Sérgio durante uma conversa enquanto o pai dirige pelas ruas vazias de São Paulo, onde, com muita dificuldade, eles encontram uma rua enfeitada com as cores da bandeira brasileira.
“O Futebol”, trabalhado em silêncios sonoros e visuais, permite diversas leituras, uma delas essa de que o esporte “não paga as contas”, como o Seu Simão diz em certo momento. Suas preocupações (e as de muitos brasileiros) passam longe das quatro linhas, e mesmo uma goleada vexamosa e histórica como o 7 a 1 (único momento, aliás, em que Oksman utiliza imagem da transmissão televisiva, como se fizesse questão de perfilar um por um os autores daquela derrota) parece ser apenas mais uma entre tantas chateações menores diante de demandas mais relevantes de uma nação calejada no sofrimento.
Mas “O Futebol” fala também de família ou do que um dia ela foi ou poderia ter sido. Acompanhamos as tentativas de Sérgio de interagir com o pai, de resgatar um afeto que, possivelmente, ele temia ter perdido, já que passou 20 anos vivendo na Espanha. O esforço do cineasta também é percebido nos silêncios do filme, mas dói na alma. E dor que se converte num inesperado pesar nos momentos finais, que fazem o documentário parecer obra de ficção. Não é.
“O Futebol” talvez seja dos mais bem-sucedidos fruto desta recente safra de docs pessoalíssimos, em que o diretor faz da tela um espelho em que ele mesmo se olha (podemos incluir neste grupo filmes como “Elena”, de Petra Costa”, “Mataram Meu Irmão”, de Cristiano Burlan, e “Uma Passagem para Mário”, de Eric Laurence). Pela pluralidade que propõe, o filme possibilita que o espectador também se enxergue ali dentro e reconheça a sua própria relação familiar.
Como se diz na linguagem das peladas, é um filme que ouve o espectador gritar: “A de fora é minha!” E nos convida para entrar em campo. ■