Em determinado momento de “Esquadrão Suicida” (Suicide Squad, 2016, EUA), o grupo de vilões saído das histórias em quadrinhos da DC Comics está reunido em um bar e os personagens apenas conversam, a fim de se conhecerem um pouco mais. Mesmo que breve, esta é a melhor cena do filme dirigido por David Ayer, uma aposta da Warner Bros. e da DC para criar um contraponto aos inúmeros filmes de super-heróis (ou “meta-humanos”) que chegam aos cinemas todos os anos, já há mais de uma década e meia. Seria algo como o que a Fox (e a Marvel) fez com “Deadpool” alguns meses atrás. Porém, o que “Deadpool” tem de “diferente” (aspas porque nem é tão diferente assim), fazendo escárnio com os filmes do gênero, “Esquadrão Suicida” tem do velho “mais do mesmo”. Só que piorado.
As coisas já começam mal nos primeiros minutos, quando perde-se um tempo inacreditável apresentando cada um dos vilões, com direito a ficha técnica na tela e tudo — algo que um bom contador de histórias resolveria visualmente com facilidade. Mas não é o caso de Ayer, que também assina o roteiro. Ele fez um filme feio e confuso, mal filmado e mal montado. Não é um daqueles casos de “é só estilo, nenhum conteúdo”, pois nesses você pelo menos tira proveito da experiência estética. Aqui você não tem essa chance.
Ayer, aliás, que, exceto o eficiente “Marcados para Morrer” (End of Watch, 2012, EUA), nunca foi um diretor ou roteirista além do genérico. “Corações de Ferro” (Fury, 2014, EUA), por exemplo, é para os filmes de guerra o que “Esquadrão Suicida” é para os filmes de super-heróis: muito barulho (literalmente inclusive) por nada. E ainda é daqueles cineastas que parecem se deslumbrar quando têm um orçamento maior nas mãos. Ele se saía melhor fazendo os filmes policiais medianos e pretensiosos do início da carreira (OK, salvo aí “Dia de Treinamento”, que Ayer escreveu e foi dirigido por Antoine Fuqua, outro que enganou/engana muita gente).
Voltando ao “Esquadrão”, o que se salva ali fora a beleza de Margot Robbie? Sua Arlequina é tudo aquilo que os trailers e imagens promocionais mostram, sem dúvida. Mas é isso: é linda e só faz estilo, modinha para cosplay. Não conheço a personagem suficientemente bem nos quadrinhos para avaliar o quanto foi alterada para este filme, mas, primeiro, isso não deveria importar, pois o público de cinema não tem que ser o público das HQs; e segundo, é no mínimo decepcionante descobrir que, num momento de empoderamento das mulheres nos blockbusters, Arlequina serve apenas para esse fator sex appeal e para soltar frases de efeito.
Aliás, “Esquadrão Suicida” deve ser o primeiro filme da história estrategicamente pensado para que suas cenas virem GIFs nas redes sociais. Porque é impressionante a quantidade de planos em que a câmera enquadra Arlequina (e outros personagens também) apenas para que ela diga alguma coisa engraçadinha ou faça caras e bocas. Já está tudo pronto para o pessoal dos memes recortar e jogar na rede. E isso faz todo sentido dentro do grande golpe de marketing aplicado pelo estúdio e que deu certo muito antes de o filme chegar aos cinemas.
O Coringa: Jared Leto está bem caracterizado. Na verdade, todos ali estão, o problema não é o visual dos personagens (já que o design de produção parece ser a única preocupação em qualquer coisa que tenha o envolvimento de Zack Snyder). Este Coringa é um maníaco psicopata, uma abordagem diferente das versões de Jack Nicholson e Heath Ledger. Mas, de novo, só faz estilo: não tem um mínimo de desenvolvimento. Ele, a Arlequina, o Pistoleiro vivido por Will Smith (que tem um conflito sentimental horroroso, resolvido de uma forma incrivelmente constrangedora), a Magia interpretada por Cara Delevingne (que, de um conceito interessante, transforma-se numa paródia do Gozer de “Os Caça-Fantasmas”), os demais vilões (porque são isso mesmo, “os demais”, você nem deverá se lembrar dos seus nomes), todos eles são action figures, nada mais. Não têm nada de subversivos ou anárquicos. Chegam até a serem bonzinhos! A única que não serve a esse propósito é Viola Davis como Amanda Waller, a alta funcionária do governo e idealizadora do Esquadrão. Excelente atriz que é, ela já faz muito com o pouco que tem para trabalhar, imagine se recebesse um material melhor?
Quer outra coisa que merecia melhor uso? A trilha sonora. Parece que as pessoas que escolheram as músicas pegaram uma playlist de rock pronta no YouTube ou no Spotify e simplesmente a incorporaram ao filme. As músicas são ótimas, não me entenda mal (tem clássicos absolutos do Creedence e do Queen, por exemplo). O problema é que elas entram apenas para acompanhar a ação de alguém, sem nenhuma significação dramática. Pela terceira vez: só serve para fazer estilo e parecer cool. E são tantas as vezes que as músicas entram, ou melhor, se intrometem, que o instrumental de Steven Price passa despercebido.
O filme poderia ser mesmo uma antítese e servir para justificar a criação da Liga da Justiça, próxima grande empreitada da Warner/DC (e que já deve deixar muita gente apreensiva, visto que “Batman vs. Superman” é um filme irregular, embora bem melhor que “Esquadrão”). Afinal, fica muito clara a intenção dos produtores de criar um universo compartilhado como o da Marvel, citando acontecimentos e personagens de outros filmes da franquia.
Também poderia ser apenas um bom filme de ação, fiel à ideia do grupo especial de supervilões recrutados pelo governo norte-americano, mesmo que para isso “roube” ideias de outros filmes sobre “criminosos por quem torcemos”, como “Os Doze Condenados”, “Bastardos Inglórios” (embora basicamente toda a filmografia do Tarantino seja formada por anti-heróis), “Onze Homens e um Segredo”, “Irresistível Paixão”, “A Rocha” e, claro, “Fuga de Nova York” (Snake Plissken faz sozinho o que o bando da DC não consegue junto), só para citar alguns memoráveis. Mas, honestamente? Ver esse filme dá saudade até de “Con Air”.
Com seu roteiro mal ajambrado, repleto de clichês e situações que desafiam a inteligência do espectador e quebram a própria lógica interna (sem entrar no terreno dos spoilers, mas repare como os personagens são volúveis em suas decisões e, também, veja a quantidade de coisas que alguns deles carregam, ou tiram de algum lugar mágico, apenas porque o roteiro precisa construir uma situação por mais absurda que ela pareça), “Esquadrão Suicida” é mais uma oportunidade perdida do universo DC no cinema — um universo com tanto potencial imagético e narrativo, que funciona tão bem nos quadrinhos, mas que na tela grande raras vezes deu certo. ■