Não é de hoje que os diretores latino-americanos são a bola da vez no cinema de horror contemporâneo. Hollywood logo percebeu a força desses cineastas e os importou para o seu mercado. O mexicano Guillermo del Toro, diretor de filmes como “Cronos”, “A Espinha do Diabo” e “O Labirinto do Fauno”, foi quem abriu as portas para sujeitos como o chileno Alejandro Amenábar, de “Os Outros”, o cubano Eduardo Sánchez, de “A Bruxa de Blair” e o uruguaio Fede Alvarez, do remake de “A Morte do Demônio”.
E é de Alvarez este “O Homem nas Trevas”, que junto com “Rua Cloverfield, 10”, de Dan Trachtenberg, é o que de melhor Hollywood nos proporcionou este ano no gênero. E ambos são filmes bastante semelhantes no que diz respeito ao espaço claustrofóbico onde a ação acontece, com jovens enclausurados em uma casa, tendo que enfrentar monstros em forma de gente. Tal qual ocorre também na cabana de “A Morte do Demônio”, é justo lembrar.
Mas, se em “Rua Cloverfield, 10” os papéis dos heróis e dos vilões estão bem definidos, em “O Homem nas Trevas” as coisas não são bem assim. Trata-se de um filme quase niilista, em que nenhum personagem pode ser definido pela bondade. Alvarez e seu parceiro no roteiro Rodo Sayagues querem que a gente troque de lado o tempo todo. Primeiro, torcemos pelo “velhinho cego” (papel de Stephen Lang) que tem a casa invadida por três infratores. Depois, passamos a torcer pela jovem (Jane Levy) que quer dar uma vida melhor para a irmã mais nova. Em seguida, outra pessoa é que se torna vítima. E assim vai.
À exceção do cachorro, que provavelmente é o único ali com alguma pureza de espírito, porque é um bicho, todos os demais personagens de “O Homem nas Trevas” têm um lado de maldade. São humanos, afinal de contas. Porém, nunca é só maldade. Eles possuem motivações, algumas até nobres de certo modo, mas outras talvez sejam psicopatia pura mesmo.
É um filme movido pelo desespero, pela desolação. E o pior é que ele tem muito a ver com os tempos de hoje, com pessoas desesperadas para sobreviver em face da falta de dinheiro, da miséria, da injustiça e outras mazelas. Assim, ao seu modo, “O Homem nas Trevas” é um filme tão apocalíptico quanto “Rua Cloverfield, 10”. Até mesmo no cenário externo há essa impressão, como fica visível na tomada aérea que mostra o bairro economicamente devastado e marginalizado de Detroit, onde está localizada a casa invadida.
Outro ponto em que os dois longas dialogam é a dinâmica entre os dois atores principais: um homem mais velho e uma jovem. Lang (que você deve se lembrar mais como o sádico coronel Miles Quaritch de “Avatar”) divide o protagonismo das cenas com Levy, atriz de carreira promissora que já havia se destacado sob a direção de Alvarez em “A Morte do Demônio”. Junto com os também jovens atores Daniel Zovatto (“Corrente do Mal”) e Dylan Minnette (“Os Suspeitos”, o de 2013), ela se vê num macabro jogo de cabra-cega que tem como ápice tensional e, principalmente, visual, uma cena onde Alvarez usa de maneira inteligente o recurso da “visão noturna” para que o espectador enxergue o que os personagens não veem.
“O Homem nas Trevas” não é daqueles filmes estilo trem fantasma, só para levar sustos, não. Tem alguns clichês típicos do gênero, é preciso reconhecer, mas a narrativa vai na insanidade das situações, em um efeito bola de neve capaz de deixar você com a respiração suspensa (como o ótimo título original sugere) à medida em que vai se abrindo a novas viradas na trama. ■
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.