Com larga experiência na televisão, tendo dirigido algumas das recentes minisséries (ou “novelas das 11”) da Rede Globo, como “O Rebu” e “Justiça”, José Luiz Villamarim estreia no cinema com este “Redemoinho”, drama adaptado da obra do escritor mineiro Luiz Ruffato, mais precisamente “O Mundo Inimigo”, segundo volume da série “Inferno Provisório”.
Ruffato é natural de Cataguases, cidade da Zona da Mata mineira onde um dos pioneiros do cinema brasileiro, Humberto Mauro, foi criado. E em Cataguases “Redemoinho” foi rodado e é situado. Trata do reencontro de dois amigos de infância na véspera do Natal. Interpretados por Irandhir Santos e Julio Andrade, Luzimar e Gildo passam o dia “colocando o assunto em dia”, bebem cerveja, visitam lugares que frequentavam quando eram mais jovens. No entanto, essa reaproximação não se dá de maneira natural, muito menos agradável, principalmente porque os dois amigos são assombrados pelo passado.
A ideia do redemoinho do título é pluralizada no filme de pelo menos três formas. A mais óbvia diz respeito ao rio que corta a cidade, onde um garoto com quem Luzimar e Gildo jogavam bola quando crianças morreu afogado. Outra, também de significado literal, é o próprio Gildo, um desses amigos ou parentes que todo mundo tem: pegajoso, ele insiste tanto para que Luzimar o acompanhe, que o amigo se vê praticamente coagido a segui-lo por onde for, por mais que ele não queira e por mais que a companhia se revele incômoda.
Daí surge o terceiro simbolismo do redemoinho, e o mais interessante: o passado exerce a força centrípeta que puxa Luzimar e Gildo para o fundo e eles não têm forças para nadar de volta até a margem. E é Luzimar quem bate as pernas e dá braçadas desesperadas para fugir, pois Gildo se revela vítima de um afogamento existencial desde o início. Ele é praticamente um fantasma que veio puxar a perna de Luzimar.
Tivesse se concentrado nesses dois personagens, Villamarim poderia ter obtido resultados melhores com o filme, que tem roteiro assinado por George Moura (“Linha de Passe”, “Getúlio”). Mas uma aparente necessidade de incluir personagens coadjuvantes, como o perturbado Zunga (Demick Lopes), a ex-prostituta Toninha (Dira Paes) e a mãe de Gildo (Cássia Kis Magro) desviam a narrativa para locais inférteis. Entende-se que eles também são vítimas desse passado do qual não conseguem se desprender, mas o recado já foi dado com os personagens centrais, não?
De todo modo, além das boas atuações de costume de Santos e Andrade, “Redemoinho” agrada pela direção nada televisiva de Villamarim, que, ao lado do experiente fotógrafo Walter Carvalho, explora bem os enquadramentos e investe em travellings que contrastam com a instabilidade emocional das pessoas na tela. É um filme de imagens poderosas que retratam espíritos fragilizados. ■
Filme visto na 10ª Mostra Cine BH, outubro de 2016.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.