Grande vencedor do Festival de Brasília de 2016, onde conquistou os troféus Candangos de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante, “A Cidade Onde Envelheço” o primeiro longa de ficção da diretora mineira Marília Rocha, já multipremiada pelos documentários “Aboio” (2005), “Acácio” (2008) e “A Falta que me Faz” (2009).
Marília se inspirou na história real de uma das atrizes principais do filme, Francisca Manuel, para contar a história de duas jovens portuguesas que moram em Belo Horizonte. Na tela, Francisca vive na capital mineira há quase um ano. Já Teresa (papel de Elizabete Francisca Santos) acabou de chegar e pede à amiga, que não via há muito tempo, para abrigá-la em seu apartamento. A retomada da relação entre elas é tensa a princípio, já que Francisca aprecia a solidão e a independência. Mas ela logo se afeiçoa pelo jeito descontraído de Teresa e a ligação entre as duas se fortalece.
“A Cidade Onde Envelheço” é um filme sobre a importância da amizade e do pertencimento a um lugar, em tempos de solidão e deslocamento. Também estrelado por Wederson Neguinho e Paulo Nazareth, o longa foi exibido em outros festivais importantes como os de Roterdam, San Sebastian, Biarritz, Janela de Cinema e a Mostra de Tiradentes, onde foi o filme de encerramento. A trilha sonora é outro destaque e inclui músicas da banda Jonnata Doll & Os Garotos Solventes e duas belas canções de Jards Macalé.
Marília, que vive em Portugal, veio ao Brasil para o lançamento do filme na Sessão Vitrine (saiba mais), acompanhada de Francisca e Elizabete. Em meio à maratona de debates em sessões comentadas e aos cuidados com o bebê recém-chegado, ela nos concedeu uma entrevista por e-mail em que fala um pouco sobre o processo de realização do projeto, a escolha das atrizes e como foi filmar em Belo Horizonte pela primeira vez.
O que a experiência com documentário acrescentou como diferencial para a realização de “A Cidade Onde Envelheço”?
Fizemos uma ficção com uma boa dose de verdade. Foi algo que aprendi com o documentário.
Hoje há uma tendência no cinema brasileiro de filmes híbridos. Não que seja exatamente o caso de “A Cidade onde Envelheço”, mas, vindo do documentário e dirigindo agora uma ficção inspirada na experiência real de vida da Francisca, como você trabalhou a transição de um formato para o outro?
O documentário tem uma instabilidade e um flerte com o acaso que é irresistível. Quis trazer isso para uma filmagem de ficção. Sobre as experiências reais, fizemos uma etapa de pesquisa com a Francisca e também com outras garotas portuguesas que passaram temporadas em BH. Por outro lado, no casting para encontrar Teresa, filmamos dezenas de meninas que procuravam uma maneira de sair do país, e que tinham muitas fantasias com relação ao Brasil. O filme deve muito a elas, a suas conversas e aos seus sentimentos.
Tanto a Francisca quanto a Elizabete são muito autênticas no filme, cada uma ao seu modo, na extroversão ou na introspecção. O quanto de liberdade você deu a elas para interpretarem essas personagens?
Um bom bocado. O roteiro foi escrito especificamente para elas. E apesar de serem excelentes atrizes, elas nunca tinham atuado antes. Então souberam dar esse frescor que foi atuar e viver ao mesmo tempo.
A Francisca e a Elizabete já conheciam Belo Horizonte?
A Francisca já havia vivido uma temporada em BH. A Elizabete nunca tinha vindo ao Brasil antes de chegar para a filmagem.
E como foi para você filmar em Belo Horizonte? A cidade no filme parece muito harmoniosa com o estilo de vida das personagens. Qual recorte você quis dar ao modo como BH é retratada? Afinal, o filme é narrado do ponto de vista de duas estrangeiras que vivem aqui, mas você é da cidade.
Foi muitíssimo prazeroso. Eu nunca tinha filmado em casa, e as duas estrangeiras me proporcionaram um deslocamento de olhar para (re)ver o que já era demasiado familiar e cotidiano. O filme é um mapa afetivo da cidade, quase uma declaração de amor a Belo Horizonte.
Qual a importância de contar uma história sobre amizade e uma protagonizada por mulheres?
Acho importante fazer filmes sobre a amizade, porque é das coisas mais preciosas da vida. E acho importante fazer filmes sobre personagens interessantes. Sobre mulheres interessantes e menos previsíveis.
Você percebe/enfrenta dificuldades no seu caminho como diretora por ser mulher?
Eu fiz os filmes que quis fazer, da forma como quis. Mas acho que meus colegas homens, fazendo o mesmo trabalho, chegam mais facilmente e desfrutam melhor o lugar de protagonistas.
As músicas usadas no filme são belíssimas. Como foi a escolha delas? Já estavam determinadas no roteiro ou foram descobertas durante o processo do filme?
As músicas foram sendo escolhidas ao longo do processo, algumas na preparação, outras na filmagem, e outras depois de o filme ter sido montado. Durante a mixagem cheguei a mudar algumas músicas e tive que retornar à ilha de montagem para retrabalhar a cena em função da nova escolha.
Quais são as suas influências como cineasta? Que outros diretores e diretoras ajudaram a formar a sua visão de cinema? Para este filme teve alguma influência específica, de um cineasta ou de outros filmes?
São tantos… Todos os filmes e diretores que gostamos moldam o nosso olhar e a forma como nos expressamos pelos filmes. Mas isso é muito pouco perceptível, porque muda ao longo da vida e vai sendo misturado a tudo que vemos e vivemos, o que admiramos e o que estranhamos e se torna nós mesmos. Neste filme especificamente, estava interessada em cineastas que trabalham com atores não profissionais, com alguma forma de improvisação e com uma experiência de criar instabilidade no processo de construção de um filme. Maurice Pialat e John Cassavetes, por exemplo.
A experiência com a maternidade é algo que você pensa em retratar num próximo filme?
É um mistério saber porque certas coisas, pessoas e lugares que nos chamam para fazer um filme. Como saber qual será o próximo?
Veja o trailer de “A Cidade Onde Envelheço” e saiba mais sobre a Sessão Vitrine: