VANDO VULGO VEDITA, de Andréia Pires e Leonardo MouramateusTalvez a obra que melhor representa a temática da 20ª Mostra de Tiradentes, por ser um cinema fresco, de muita reinvenção e que entrega uma resposta, um posicionamento de resistência enquanto comunidade. A criatividade já começa pelo nome, que além de despertar a curiosidade, ainda traz esse som marcante, como uma assinatura forte, que se impõe. O filme é essencialmente uma experiência arrebatadora. Pura poesia em como harmoniza diferentes linguagens artísticas (a dança, o teatro, a performance, a fotografia, a música…) e se potencializa através dessa junção de forças. Vemos a expressão dos corpos e tudo em movimento. Aliás, movimento é a palavra que vem logo à cabeça ao me recordar das sensações que o filme traz. O grupo de atores, em perfeita sintonia, te puxa para junto deles com alguma espécie de encantamento. O Vando do título não se sabe quem é, nem onde está. E o coletivo se torna o verdadeiro personagem. O ato final, crítico e ácido, faz uma bela quebra da energia positiva emanada até ali, nos lembrando de barreiras opressoras e perigosas e do que o estranho desaparecimento pode significar. Destaque para a música “Vampiro Sexual”: impossível ser indiferente a ela.
*Vencedor de dois prêmios na Mostra de Tiradentes: melhor curta da Mostra Foco pelo Júri da Crítica e Prêmio Canal Brasil de Curtas (do qual fiz parte do Júri).
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NUNCA É NOITE NO MAPA, de Ernesto de CarvalhoOriginalíssimo e de capacidade sintética notável, esse curta não precisou de muita coisa para acontecer e funcionar. Simplesmente com imagens do Google Maps, o diretor construiu uma narrativa que, aliada ao texto irônico, direto e dotado de certa frieza para remeter ao próprio dispositivo utilizado, nos faz passear pelos espaços imprimindo-lhes nosso sentido e crítica. Pois “o mapa” registra tudo e cabe a nós refletirmos sobre o que foi registrado. Uma batida policial, o processo de urbanização, moradias desapropriadas, protestos pintados num muro, a questão da privacidade no mundo digital… Em poucos minutos somos atravessados por densas questões. Provavelmente o menor filme que eu já vi, mas com mais conteúdo que muito longa por aí.
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AUTÓPSIA, de Mariana BarreirosUm filme necessário. Com linguagem experimental, ele traça uma relação de causalidade entre o que é disseminado massivamente pela mídia e a violência de gênero sofrida pelas mulheres. Ele nos apresenta recortes de programas televisivos diversos e trechos de músicas populares onde há objetificação da mulher, machismo e misoginia. Para materializar esse ser tão violentado, também há performances de uma atriz, que expõe seu corpo e suas angústias diante de toda essa desumanização.
A premissa de inspecionar a programação da TV brasileira lembra “Um Dia Na Vida”, de Eduardo Coutinho. Mas no filme de Coutinho, o único contexto é a data em que foram gravadas as imagens: 1 de outubro de 2009. É, pois, um resumo do que foi transmitido nesse dia inteiro de programação aberta, sem intervenções do diretor, a não ser na troca de canais e na edição. E, para além das muitas críticas possíveis sobre essas imagens, há um extracampo igualmente desencadeador de reflexões: quem são os espectadores delas, diariamente recebendo tais mensagens.
“Autópsia” tem seu recorte temático, sua intervenção estilística e o posicionamento da diretora, que prova como estamos imersos numa cultura que reforça e perpetua o assédio e a agressão às mulheres cotidianamente. Não se limita ao conteúdo televisivo, mostrando que também na história da música brasileira isso acontece. E não somente no já tão criticado funk. MPB, samba e outros ritmos não escapam dessa responsabilidade e são desconstruídos pelo filme. Um chamamento para a reflexão, a autocrítica do que consumimos e um clamor pela mudança que urge.
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CINEMÃO, de Mozart FreireUm filme de força imagética considerável e que transborda energia da contraposição entre tensão e tesão. Não há diálogos, somente o som ambiente, a imagem dos corpos reagindo àquele espaço e as interações que se estabelecem. Acompanhamos a dinâmica de um cineclube gay, onde os homens frequentam para a pura “pegação”. Mas antes que o toque se concretize, há muita comunicação visual com olhares, gestos, insinuações, sedução e estímulos… Tudo isso sob pontos focais de luzes coloridas, neon e muita sombra. Como bem disse o diretor, durante o debate: “o escuro é o que faz com que a sociabilidade aconteça”, portanto, a escolha pela pouca luz é coerente, além de proporcionar ao filme uma estética underground potente. O sexo é mostrado sem pudor, embora a cena do gozo seja distanciada, mantendo a continuidade somente pelo som. De tom essencialmente erótico, conecta-se com o culto ao corpo e se restringe ao desejo sexual de seus personagens.
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A MALDIÇÃO TROPICAL, de Luísa Marques e Darks MirandaEste curta se aproxima muito mais de uma videoarte ou videoinstalação. Apreciá-lo, encontrar seu sentido e propósito não é claro para mim, dentro do espaço do cinema. Trata-se de uma montagem de imagens, sons e textos que parecem um delírio ou um enigma que não fez pontes sólidas nas minhas interpretações. Costura material de arquivo histórico sobre obras de urbanização, a figura da Carmem Miranda, a natureza e um prédio arquitetônico (o Museu Carmem Miranda do Rio de Janeiro). Evoca atmosfera de ficção científica ao mesmo tempo que usa estética de VHS e, no final, nos surpreende e provoca debochadamente com uma Carmem Miranda fantasmagórica (usando a simplicidade da representação de um lençol branco). Há algo sendo dito sobre a modernização da cidade, sobre essa celebridade icônica da nossa cultura, sobre os espaços e as mudanças do tempo, mas a abstração pode se tornar uma barreira intransponível, fazendo com que a mensagem se perca, não seja decodificada.
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Editora, crítica de cinema e podcaster do Cinematório. Filiada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e membra do Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Jornalista profissional pela UFMG e com formação em Produção de Moda pela mesma instituição. É cria dos anos 90 e do interior de Minas.