por Marina Oliveira
A menos que você tenha vivido em Marte nos últimos anos, certamente percebeu o tsunami nostálgico que devastou o universo da cultura pop, chamado “década de 80”. A série “Stranger Things”, a continuação “Blade Runner 2049”, a nova adaptação de “It – A Coisa” e até mesmo obras menos consagradas, como “MacGyver”, ganharam seu espaço no cinema, televisão e plataformas de streaming. Fomos atingidos até mesmo nas coleções de roupas com as cores, texturas e modelagens dos anos 80. Eu, como bom fruto dos anos 90, confesso sentir dificuldade em compreender e “surfar nesta onda”. Para mim, o Windows XP ou a internet discada causam muito mais efeito (nostálgico).
Entretanto, eu gostaria de ir mais a fundo nesta questão, já que essas monções saudosistas se mostraram efetivas além do modismo ou do rentável. De fato, a fórmula “oitentista” usada hoje à exaustão, funciona não apenas para aqueles que viveram sua infância naquela década, mas também para públicos mais jovens, que sequer eram nascidos nos tempos do “E.T.” de Steven Spielberg. Quais fatores determinariam este timing e qual seria nossa próxima grande saudade?
Partindo para o universo da moda, fica nítido como conceitos são resgatados, esteticamente retrabalhados, elevados à máxima, desgastados e enfim substituídos. Já dizia a sabedoria popular: nada se cria, tudo se copia. E mesmo parecendo aleatório, o que determina a década de 80 como tendência popular em pleno 2017, pode ser explicado.
Em 1937, o historiador, crítico e curador britânico James Laver comentou pela primeira vez, na revista Taste and Fashion, seu estudo sobre o “ciclo da moda”. Neste trabalho, é exibido uma tabela cronológica, que tempos depois ficaria conhecida como “A Lei de Laver” (Laver’s Law), cuja variação da idade e distanciamento da época de criação de cada estilo afeta nossa percepção e gosto sobre as mesmas. Quase 50 anos depois, o também historiador e curador Sir Roy Colin Strong retomaria essa ideia num escrito sobre moda para o jornal The Times.
Com o passar das décadas, porém, pudemos perceber certos padrões no que diz respeito às tendências e à maneira como costumávamos “reler” certos modismos do passado. Identificou-se que muitas peças de roupa, músicas e acessórios passavam a ter seu flashback num intervalo de tempo entre 20 e 30 anos. Segundo a colunista do BBC NEWS, Denise Winterman, por anos as ombreiras foram consideradas um “suicídio fashion”, mas nos últimos tempos vemos cada vez mais essas velhas conhecidas dando pinta nas passarelas ao redor do mundo. E por mais que eu odeie admitir que costumava implicar com fotos antigas de pessoas usando ombreiras, hoje possuo um exemplar compondo meu guarda-roupas.
Mas o que a sétima arte teria a ver com isso, mais precisamente a cultura pop? Acredita-se que esse intervalo de 20 a 30 anos seja o período necessário para ocorrer uma “troca” plena de gerações. Agora, os filhos da década de 80 são os adultos da vez e, por uma questão quase “de Édipo”, tenderíamos a nos influenciar e buscar aquilo que um dia fora moda para os nossos pais (leia-se “ombreiras”). Sendo assim, provavelmente, dentro de 20 ou 30 anos, vídeos de amoeba e filmes de super-heróis estarão em alta outra vez, para bem ou para mal.
Dificilmente, a geração que usou chockers ou plataformas em sua vida adulta nos anos 90 irá revisitá-los hoje, mas para a geração 2000, tudo isso cheira à novidade. E este seria outro ponto para o sucesso de séries como “Stranger Things”. Se para os tiozões a série evocaria os doces tempos da infância, para o público mais jovem, década de 80 configura novidade, representando uma época livre de internet e dispositivos móveis, onde não há smartphones ou GPS para a resolução simples e rápida de problemas triviais. Isto é, um prato cheio, até para roteiristas.
Já que percebeu-se o potencial dramático da era pré-redes sociais, não vejo problemas em se demasiar de ambientações em épocas passadas. Afinal, a arte tem este privilégio de viajar pelo espaço-tempo como bem entender, livre de amarras. O perigo aqui jaz nas muletas que são criadas como artifícios de roteiro. Não precisamos de vícios de direção ou das mesmas narrativas “spielbergianas” com os planos e cortes similares e elencos infantis andando de bicicleta. Gostaria de ver anos 80 com cara (e ética) de 2017, se possível. Nada contra. Mas penso que poderia-se usar e abusar mais da tal releitura, em seu sentido literal: ação de interpretar novamente, acrescentando-se algo novo.
E que venha a próxima saudade.