Two Minutes to Midnight: a cultura das sessões da meia-noite

por Marina Oliveira

Perdoem a infeliz menção que acompanha o título, mas em momentos de espera madrugada adentro, só um heavy metal para manter esta fã de pé. Mesmo assim, em menores proporções, quanto mais o ponteiro se aproxima do número 12 marcado no relógio, maior nossa euforia e inquietação. Se você, assim como eu, tem o costume de comparecer às “sessões da meia-noite”, sabe bem do que estou falando. Este é um evento no mínimo peculiar.

Desde que fora anunciada a retomada da franquia mais famosa de George Lucas com “O Despertar da Força”, lançado há dois anos, muitos de nós — verdadeiros fãs de “Star Wars” — criamos a tradição quase ritualística de comprar ingressos ainda na pré-pré-venda para participar daquilo que, na prática, seria uma pré-pré-estreia. Na tentativa de sair à frente e burlar os temidos spoilers, nos enlouquecemos frente ao computador, pressionando freneticamente F5, F5, F5, até conseguirmos o disputado ticket para a felicidade. A partir daí, o alívio: nossa vantagem está garantida. Mas por que meia-noite?



Quando chega o fatídico dia, aproveitamos para ir mais cedo ao shopping (ou os poucos cinemas de rua que ainda existem) para garantir aquele combo supervalorizado de copinho-baldinho-canudinho temático, que por mera coincidência traz no fundo a tal expressão “made in China”. Pagamos caro, mas afinal, “vale a pena né? É STAR WARS!” E apesar da felicidade por estar diante do letreiro inicial novamente, o medo de o filme ser ruim está sentado na poltrona ao lado.

Para os mais leigos (ou desinteressados) este dia pode ser trivial, mas para a tropa enfileirada frente ao cinema às 11:45 numa noite de quarta-feira, é dia de usar a melhor roupa da galáxia tão, tão distante. São muitas Padmés, Lukes e Stormtroopers interagindo, tirando selfies e “causando” dentro da sala. Até eu mesma me pergunto quando irão embainhar os benditos sabres de luz. Apesar do desconforto das fantasias, todos parecem não ligar: estamos empolgados apesar do sono e cansaço que começam a dar sinais. Começa o filme. Silêncio. Créditos. Tema de abertura. Risos. Suspiros. Às vezes, lágrimas. Muitos tiros de phasers. Créditos finais. Um esboço de aplausos e fim. Foi ótimo, com certeza. Não sei você, mas entre esses momentos posso facilmente encaixar outras coisas. Bocejo. Pescada. Cochilo. Susto (Ops…). Parece óbvio, mas quanto maior o número do capítulo, menor minha capacidade de permanecer atenta. Apesar da super boa vontade, já me pego dando umas cochiladas entre diálogos mais lentos e trocando porcentagens da minha experiência cinematográfica por segundos de sono.

Penso na gênese dessa tradição, que nada tinha a ver com as pré-pré-estreias. A expressão “midnight movies” foi cunhada na década de 70, nos Estados Unidos, mas já nos anos 50 era usada para denominar filmes exibidos nas grades televisivas locais com produções de baixo orçamento. Filmes exploitation por vezes eram exibidos em sessões à meia-noite, geralmente como parte de operações de roadshow independentes. Em 1957, “The Curse of Frankenstein”, da Hammer Films, por exemplo, desencadeou uma série de exibições na virada do dia. Na década de 1960, filmes redescobertos como “Monstros” (Freaks, 1932) também tiveram seus momentos madrugada adentro.

A exibição de filmes underground à meia-noite tinha como objetivo a construção de um público cult, encorajando seu retorno repetidas vezes como forma de interação social no que era inicialmente um cenário de contracultura. Especulações quanto ao filme que firmara oficialmente a tradição, trazem controvérsias, contudo “The Rocky Horror Picture Show” (1975) configura um marco para a prática em questão. Tendo tido pouquíssima recepção de público e crítica em seu ano de lançamento, tornou-se um “filme B”, tendo espaço nas salas apenas para as projeções da madrugada.

Com a crescente aceitação e sucesso do filme adquiridos anos depois juntamente à mudança da economia na indústria de distribuição cinematográfica (leia-se a chegada do homevideo), ocorreu uma alteração na natureza do fenômeno dos filmes da meia-noite. Participar dessas sessões virou um verdadeiro evento de entretenimento e socialização. À medida que sua associação com tendências amplas de oposição cultural e política diminuiu, na década de 1980 o filme da meia-noite tornou-se uma experiência puramente “campal”, aproximando-se à forma da televisão. Era como se um grupo de amigos se reunissem para “acampar” fora de casa.

Antes, sinônimo para os esquecidos cine drive-ins, hoje, o termo é usado frequentemente para três formas distintas, embora relacionadas: como sinônimo do filme B (refletindo a característica de baixo custo), como sinônimo cult e para as já citadas pré-pré-estreias de blockbusters.

Parece-me, então, que os grandes estúdios se apropriaram de um movimento muito específico e limitado a nichos bastante específicos, transformando-o em algo supervalorizado e popular. O que antes era uma cultura para “rejeitados”, agora é um evento exclusivo e disputado a tapas por fãs. Talvez esteja fazendo a escolha inapropriada para meu modus operandi atual, mas não consigo resistir a ser a primeira assistindo aos longas… E deve ser este o ponto.

É sabido de todos que um verdadeiro fã faz qualquer coisa para estar à frente quanto ao acesso a materiais exclusivos. Todos os dias são realizados leilões virtuais que põe à venda brinquedos e peças de divulgação de caráter limitado. De quem foi a decisão de pré-pré-estreias na madrugada? Alguém muito esperto, por sinal. Tornar o que seria uma estreia comum em algo exclusivo, um evento social que movimenta encontros e ingressos difíceis de conseguir, me soa como jogada de mestre.

Equivalentes a uma estreia de gala, essas sessões rendem assunto para matérias, vendem ingressos caros para versões em 3D e IMAX e proporcionam a bela oportunidade de livrar os fãs dos temidos spoilers. Talvez os mandachuvas da indústria tenham uma leve impressão de que um fã de verdade não se importa com os altos preços e nem mesmo com o sono. A experiência em si já tornou-se algo muito maior.

Aguardando dia 14 de dezembro, eu e meu redbull.