por Pedro Tobias
“E eu estarei sozinha sem você
Talvez você fique sozinho também
E azul”
Os versos da música “You Belong to Me”, interpretada por Jo Stafford, parecem sintetizar o sentimento da protagonista de “Roda Gigante” (Wonder Wheel, 2017). Interpretada por uma Kate Winslet (“Beleza Oculta”, “Depois Daquela Montanha”) impecável, Ginny é uma mulher insatisfeita com os rumos que sua vida tomou… Prestes a completar 40 anos, ela parece desesperada por uma saída, uma luz no fim do túnel de desesperança em que se encontra.
Depois do colapso emocional causado pelo divórcio, ela encontra consolo em Humpty (Jim Belushi), que por sua vez está sofrendo pela morte da esposa e pela partida de sua filha Carolina (Juno Temple) que fugiu para casar com um membro da máfia local. Humpty, que tem problemas com álcool, oferece a Ginny e seu problemático filho Richie (Jack Gore) um lar, uma quitinete em meio à cacofonia da famosa Roda Gigante do parque de diversões de Coney Island.
Apesar de encontrar certa estabilidade ao lado de Humpty, Ginny se ressente por ter abandonado seus sonhos para ser garçonete, por estar em um relacionamento sem amor e por ser incapaz de ajudar seu filho Richie que apresenta seus próprios problemas emocionais.
Ela enxerga no salva-vidas e aspirante a escritor Mickey (Justin Timberlake) uma saída, uma forma de voltar a sonhar com a vida que sempre quis. Ele, por outro lado, parece muito mais apaixonado pela noção romântica de escritor em busca do reconhecimento que se relaciona com uma mulher mais velha.
Woody Allen (“O Homem Irracional”, “Café Society”) demonstra mais uma vez uma sensibilidade incrível na construção de uma protagonista feminina em toda a sua complexidade. A Roda Gigante do título pode muito bem se referir ao estado emocional de Ginny, atormentada pelos fantasmas das escolhas feitas ao longo da vida.
Kate Winslet imbui sua personagem de uma histeria que desponta menos em sua fisicalidade e mais em suas micro expressões. Para tanto, o roteiro de Allen é extremamente generoso, assim como o é seu trabalho de câmera. O que não faltam são grandes cenas nas quais a atuação de Winslet funciona como um polo magnético para o qual todos os demais elementos parecem convergir.
Esse vai-e-vem de emoções da protagonista é pontuado – e catalisado – também pelo excelente e irretocável trabalho de fotografia de Vittorio Storaro, que também trabalhou em “Café Society”, longa anterior de Allen. Cada enquadramento apenas reforça a extensão e a capacidade inventiva do veterano diretor de fotografia.
O uso narrativo da iluminação do parque, sobretudo ao iluminar o rosto dos personagens (em vermelho e azul sobretudo) durante cenas específicas, traz um caráter surrealista que reforça o peso dramático do filme. O próprio Storaro afirmou, em entrevista, que “a luz e a cor podem ser usadas da mesma forma que notas em uma música ou palavras em um roteiro”. Desta forma, ele compôs uma sinfonia na qual o vermelho de Ginny, a melancolia, a volatilidade, se opõe ao azul de Carolina, a jovialidade, a previsibilidade (e vice-versa).
O uso constante de travellings em planos longos durante o filme só reforça outro dos grandes méritos de “Roda Gigante” que é o design de produção. Santo Loquasto, contumaz colaborador nos filmes de Allen, é eficaz na construção da Coney Island do começo da década de 1950 com uma precisão e um cuidado impressionante com os detalhes. Isso, claro, sem tirar a atenção que merecem os figurinos de Suzy Benzinger. Já na cena que abre o longa, um plano geral da praia, é possível notar o empenho na construção da atmosfera que circunda o filme.
Assim como a Roda Gigante do título, por mais que Ginny tente mudar ela continua presa aos mesmos padrões que parecem se repetir de novo e de novo. Por mais encantadora que seja a vista da Roda Gigante, você não vai a lugar algum. Há um elemento de beleza, de romance, mas principalmente há trivialidade e estagnação, e é exatamente disso que trata o mais novo filme de Allen. ■
“Roda Gigante” está em cartaz nos cinemas.