especial para o cinematório
O evento na Alemanha exibiu novo longa de José Padilha, documentário de Karim Ainöuz e teve índios da tribo Paiter Suruí, da Amazônia, e Linn da Quebrada como convidados, além de abordar a atual situação política brasileira
O 68º Festival de Cinema de Berlim chega ao fim, com a realização hoje da cerimônia de premiação (veja a relação completa de vencedores), depois de cerca de 400 filmes do mundo todo exibidos e boa recepção de produções e coproduções brasileiras, especialmente no gênero documentário.
Somente a sub-seção Panorama Dokumente, que integra a seção Panorama, exibiu quatro filmes brasileiros do segmento: “Aeroporto Central“, de Karim Aïnouz (“Praia do Futuro”, “Madame Satã”), “O Processo“, de Maria Augusta Ramos (“Juízo”, “Justiça”), “Bixa Travesty“, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman (“Olhe Pra Mim de Novo”) e “Ex-Pajé“, de Luiz Bolognesi (roteirista de “Bicho de Sete Cabeças” e “Como Nossos Pais”).
“Aeroporto Central“ — que ganhou neste sábado o Prêmio da Anistia Internacional — acompanha o cotidiano de dois refugiados sírios no antigo aeroporto do regime nazista e que é, em tempos atuais, o maior parque público de Berlim. É o primeiro documentário que Aïnouz assina sozinho e a segunda vez que o diretor participa do festival, depois de “Praia do Futuro“ e “Catedrais da Cultura“, ambos exibidos na edição de 2014.
https://www.youtube.com/watch?v=yIyBQmvrQkE&feature=youtu.be
“O Processo”, registro das semanas que antecederam o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, teve sessões cheias e debates acalorados após as exibições. Na fila antes da primeira sessão do filme foram distribuídos panfletos com texto em inglês, convidando o público a participar de uma manifestação a favor do ex-presidente Lula, que aconteceu no dia 21 de fevereiro, no Potsdamer Platz, no centro de Berlim. “O Processo” ficou em terceiro lugar entre os documentários na escolha do Júri Popular. O vencedor foi o espanhol “The Silence of Others”.
Bem acolhido foi também o filme “Ex-Pajé“, documentário sobre a evangelização indígena. Dois dos protagonistas, Perpera Suruí e Kabena Cinta Larga, dois índios da tribo Paiter Suruí, que vive em Rondônia, responderam perguntas do público ao fim das sessões. Luiz Bolognesi, que assina a direção, leu parte de um manifesto assinado por indígenas brasileiros e que pode ser lido na íntegra na página do filme no Facebook. O longa recebeu menção especial do júri do Glashütte Original – Documentary Award, prêmio concedido pelo segundo ano em Berlim.
Por fim, “Bixa Travesty“, documentário sobre a cantora transexual Linn da Quebrada. Ela se apresentou nessa sexta-feira, 23 de fevereiro, na cerimônia de premiação dos Teddy Awards, premiação paralela que celebra produções de cunho gay e lésbico dentro da programação da Berlinale. O filme de Claudia Priscilla e Kiko Goifman ganhou o troféu de Melhor Documentário/Filme-Ensaio.
E o Teddy Award de Melhor Filme também foi dado a uma produção brasileira: “Tinta Bruta“, ficção de Filipe Matzembacher e Marcio Revlon (“Beira-Mar”, selecionado para Berlim em 2015), que também ganhou o CICAE Art Cinema Award, prêmio da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte, dado a filmes de propostas inovadoras que não ganham espaço no grande circuito. O longa é centrado em um rapaz que realiza performances eróticas coberto de tinta na frente da webcam.
https://www.youtube.com/watch?v=1pNH34jYzqw
Outro artista brasileiro esteve presente em Berlim: Tantão, grande nome da cena underground carioca e retratado em mais um documentário brasileiro exibido no festival, “Eu Sou o Rio“, que integrou a seção Forum. Os diretores fizeram uma campanha de crowdfunding para possibilitar a vinda do músico e artista plástico à capital alemã. A repercussão do documentário, pelo menos entre os jornalistas que cobriam o evento, não foi muito boa: a sessão reservada para os profissionais da área foi marcada por muitos deles saindo no meio da exibição.
Programa principal
Um diretor brasileiro marcou presença também na seção mais importante do festival, a competição oficial, porém sem concorrer a prêmios. Trata-se de José Padilha, que voltou a Berlim dez anos depois de seu “Tropa de Elite“ ter abocanhado o Urso de Ouro. Desta vez, Padilha trouxe às telas “7 Dias em Entebbe”, coprodução EUA/Reino Unido, estrelada por Daniel Brühl, Rosamund Pike e Eddie Marsan, que reconta o sequestro de um avião repleto de judeus por militantes pró-Palestina.
Paralelamente ao festival propriamente dito, a Berlinale conta com o “festival dentro do festival“, o EFM (European Film Market), destinado a conectar profissionais da área de cinema. Em 2018, mais de 40 empresas brasileiras do ramo tiveram a chance de apresentar seus projetos na capital alemã. O carro-chefe da delegação brasileira foi o filme “Las Herederas“, de Marcelo Martinessi, uma coprodução brasileira (através da Esquina Filmes) com Paraguai, Alemanha, Uruguai, Noruega e França. O longa ganhou o Prêmio Alfred Bauer (Urso de Prata dado a “filmes que abrem novas perspectivas”), o troféu de Melhor Atriz para Ana Brun e recebeu da Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) o prêmio de Melhor Filme da competição principal.
Mudança de direção
Apesar da aparente normalidade durante os 10 dias de festival, vale ressaltar que a atual edição da Berlinale, como o festival é conhecido na Europa, aconteceu em meio a atribulações quanto ao rumo das próximas edições: o contrato do atual diretor do festival, Dieter Kosslick, vence em 2019 e não será renovado, e o nome do novo diretor ou nova diretora ainda é incerto.
Kosslick comandou o festival por 17 anos e afirmou não ter interesse algum em seguir na função de diretor ou mesmo de assessorar o evento em algum outro posto. O estopim da decisão radical foi um manifesto, assinado em novembro último por 79 cineastas alemães, muitos deles convidados de edições anteriores da Berlinale, pedindo mudanças na organização do evento. ■