"Tinta Bruta", de Filipe Matzembacher e Marcio Revlon, vencedor do Teddy Award - Foto: Vitrine Filmes/Divulgação
"Tinta Bruta", de Filipe Matzembacher e Marcio Revlon, vencedor do Teddy Award - Foto: Vitrine Filmes/Divulgação

Festival de Berlim encerra 68ª edição com boa participação do cinema brasileiro

por Manoella Barbosa, de Berlim
especial para o cinematório

O evento na Alemanha exibiu novo longa de José Padilha, documentário de Karim Ainöuz e teve índios da tribo Paiter Suruí, da Amazônia, e Linn da Quebrada como convidados, além de abordar a atual situação política brasileira

O 68º Festival de Cinema de Berlim chega ao fim, com a realização hoje da cerimônia de premiação (veja a relação completa de vencedores), depois de cerca de 400 filmes do mundo todo exibidos e boa recepção de produções e coproduções brasileiras, especialmente no gênero documentário.

Somente a sub-seção Panorama Dokumente, que integra a seção Panorama, exibiu quatro filmes brasileiros do segmento: “Aeroporto Central“, de Karim Aïnouz (“Praia do Futuro”, “Madame Satã”), “O Processo“, de Maria Augusta Ramos (“Juízo”, “Justiça”), “Bixa Travesty“, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman (“Olhe Pra Mim de Novo”) e “Ex-Pajé“, de Luiz Bolognesi (roteirista de “Bicho de Sete Cabeças” e “Como Nossos Pais”).

“Aeroporto Central“ — que ganhou neste sábado o Prêmio da Anistia Internacional — acompanha o cotidiano de dois refugiados sírios no antigo aeroporto do regime nazista e que é, em tempos atuais, o maior parque público de Berlim. É o primeiro documentário que Aïnouz assina sozinho e a segunda vez que o diretor participa do festival, depois de “Praia do Futuro“ e “Catedrais da Cultura“, ambos exibidos na edição de 2014.



https://www.youtube.com/watch?v=yIyBQmvrQkE&feature=youtu.be

“O Processo”, registro das semanas que antecederam o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, teve sessões cheias e debates acalorados após as exibições. Na fila antes da primeira sessão do filme foram distribuídos panfletos com texto em inglês, convidando o público a participar de uma manifestação a favor do ex-presidente Lula, que aconteceu no dia 21 de fevereiro, no Potsdamer Platz, no centro de Berlim. “O Processo” ficou em terceiro lugar entre os documentários na escolha do Júri Popular. O vencedor foi o espanhol “The Silence of Others”.

A diretora Maria Augusta Ramos no debate após a exibição de seu documentário “O Processo” – Foto: Manoella Barbosa/cinematório

Bem acolhido foi também o filme “Ex-Pajé“, documentário sobre a evangelização indígena. Dois dos protagonistas, Perpera Suruí e Kabena Cinta Larga, dois índios da tribo Paiter Suruí, que vive em Rondônia, responderam perguntas do público ao fim das sessões. Luiz Bolognesi, que assina a direção, leu parte de um manifesto assinado por indígenas brasileiros e que pode ser lido na íntegra na página do filme no Facebook. O longa recebeu menção especial do júri do Glashütte Original – Documentary Award, prêmio concedido pelo segundo ano em Berlim.

Kabena Cinta Larga e Perpera Suruí, ao lado do diretor Luiz Bolognesi, no debate de “Ex-Pajé” – Foto: Manoella Barbosa/cinematório

Por fim, “Bixa Travesty“, documentário sobre a cantora transexual Linn da Quebrada. Ela se apresentou nessa sexta-feira, 23 de fevereiro, na cerimônia de premiação dos Teddy Awards, premiação paralela que celebra produções de cunho gay e lésbico dentro da programação da Berlinale. O filme de Claudia Priscilla e Kiko Goifman ganhou o troféu de Melhor Documentário/Filme-Ensaio.

E o Teddy Award de Melhor Filme também foi dado a uma produção brasileira: “Tinta Bruta“, ficção de Filipe Matzembacher e Marcio Revlon (“Beira-Mar”, selecionado para Berlim em 2015), que também ganhou o CICAE Art Cinema Award, prêmio da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte, dado a filmes de propostas inovadoras que não ganham espaço no grande circuito. O longa é centrado em um rapaz que realiza performances eróticas coberto de tinta na frente da webcam.

https://www.youtube.com/watch?v=1pNH34jYzqw

Outro artista brasileiro esteve presente em Berlim: Tantão, grande nome da cena underground carioca e retratado em mais um documentário brasileiro exibido no festival, “Eu Sou o Rio“, que integrou a seção Forum. Os diretores fizeram uma campanha de crowdfunding para possibilitar a vinda do músico e artista plástico à capital alemã. A repercussão do documentário, pelo menos entre os jornalistas que cobriam o evento, não foi muito boa: a sessão reservada para os profissionais da área foi marcada por muitos deles saindo no meio da exibição.

“Eu Sou o Rio” (2018) – Foto: Michael Robinson/Divulgação

Programa principal

Um diretor brasileiro marcou presença também na seção mais importante do festival, a competição oficial, porém sem concorrer a prêmios. Trata-se de José Padilha, que voltou a Berlim dez anos depois de seu “Tropa de Elite“ ter abocanhado o Urso de Ouro. Desta vez, Padilha trouxe às telas “7 Dias em Entebbe”, coprodução EUA/Reino Unido, estrelada por Daniel Brühl, Rosamund Pike e Eddie Marsan, que reconta o sequestro de um avião repleto de judeus por militantes pró-Palestina.

Paralelamente ao festival propriamente dito, a Berlinale conta com o “festival dentro do festival“, o EFM (European Film Market), destinado a conectar profissionais da área de cinema. Em 2018, mais de 40 empresas brasileiras do ramo tiveram a chance de apresentar seus projetos na capital alemã. O carro-chefe da delegação brasileira foi o filme “Las Herederas“, de Marcelo Martinessi, uma coprodução brasileira (através da Esquina Filmes) com Paraguai, Alemanha, Uruguai, Noruega e França. O longa ganhou o Prêmio Alfred Bauer (Urso de Prata dado a “filmes que abrem novas perspectivas”), o troféu de Melhor Atriz para Ana Brun e recebeu da Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) o prêmio de Melhor Filme da competição principal.

Mudança de direção

Apesar da aparente normalidade durante os 10 dias de festival, vale ressaltar que a atual edição da Berlinale, como o festival é conhecido na Europa, aconteceu em meio a atribulações quanto ao rumo das próximas edições: o contrato do atual diretor do festival, Dieter Kosslick, vence em 2019 e não será renovado, e o nome do novo diretor ou nova diretora ainda é incerto.

Kosslick comandou o festival por 17 anos e afirmou não ter interesse algum em seguir na função de diretor ou mesmo de assessorar o evento em algum outro posto. O estopim da decisão radical foi um manifesto, assinado em novembro último por 79 cineastas alemães, muitos deles convidados de edições anteriores da Berlinale, pedindo mudanças na organização do evento. ■