John Holmes: a história real do homem que inspirou “Boogie Nights”

por Pedro Tobias

Em 1997, Paul Thomas Anderson, então com 27 anos, lançou seu segundo longa, “Boogie Nights: Prazer sem Limites”, que conta a trajetória de ascensão e queda do personagem fictício Dirk Diggler, interpretado por Mark Wahlberg.

Assim como “Jogada de Risco”, seu filme anterior, a base para o desenvolvimento de “Boogie Nights” foi um curta feito por PTA. Esse curta, de 1988, filmado e editado usando dois VCRs, intitulado “The Dirk Diggler Story”, pode ser encontrado no YouTube, sem legendas.



O curta, uma espécie de mockumentary (documentário falso), foi inspirado na trágica história de John Holmes, famoso ator pornô da década de 1970 que protagonizou um dos casos criminais mais horrendos da história de Los Angeles: a Chacina de Wonderland.

John Holmes

Nascido em 8 de agosto de 1944, em Pickaway Cownty, no estado norte-americano de Ohio, John Curtis Estes começou sua caminhada na indústria pornográfica ainda no final da década de 1960, com apenas 24 anos, fazendo loops, pequenos vídeos de até 10 minutos filmados em 8 ou 16mm e vendidos em sex shops e através de revistas voltadas ao público adulto.

Não demorou muito para que seu “instrumento de trabalho” ficasse conhecido. Seu talento biológico, estimado entre 32 e 34 centímetros, lhe deu enorme visibilidade e, logo, Holmes passou a atuar como protagonista em filmes de maior expressão.

Em 1971, estrelou “Johnny Wadd”, primeiro de uma bem sucedida parceria de sete filmes com o diretor Bob Chinn. A partir do sucesso desse filme, passou a ser conhecido nacionalmente e adotou “John Holmes” como seu nome artístico, sendo também referido como “Johnny Wadd”, seu personagem mais icônico.

No final da década de 1970, Holmes passou a consumir drogas de forma abusiva, sobretudo cocaína, o que acabou prejudicando seu desempenho e o fez perder espaço na indústria pornô.

Aqui começa a tragédia de Holmes.

Sem dinheiro para pagar pelo seu vício, ele passou a praticar pequenos delitos, como furtos de veículos e roubos. Nessa época conheceu Adel Nasrallah, um imigrante palestino conhecido como Eddie Nash — um importante traficante e dono de várias boates em Los Angeles. Holmes frequentava as famosas pool parties que Nash dava em sua casa com certa frequência, até que sua dívida chegou a pouco mais de 1 mil dólares e ele foi expulso pelo próprio Nash.

Pouco se sabe sobre o que houve depois. Os relatórios da polícia, bem como os autos do processo judicial sobre a Chacina de Wonderland foram incapazes de definir com precisão o desenrolar dos acontecimentos entre o roubo do dia 29 de junho e os assassinatos do dia 1º de julho de 1981.

De acordo com os relatos mais confiáveis, após ser expulso da casa de Nash, Holmes passou a andar com a Gangue de Wonderland, um grupo de traficantes comuns da região. Eles se chamavam assim pois traficavam em uma casa cujo endereço era 8763 Wonderland Avenue, Laurel Canyon, LA.

A casa em Wonderland

A casa era alugada por Joy Miller, que vivia com seu namorado Billy DeVerell, que já havia sido preso 13 vezes, o caçador de recompensas freelancer David Lind e um amigo, Roland Launius, que havia cumprido pena por tráfico de drogas e era o líder da gangue.

Aqui as versões divergem, mas, segundo a defesa de Holmes, após saber de sua conexão com Eddie Nash, Roland Launuis teria surgido com a ideia do roubo. O plano era simples: eles dariam para Holmes algum dinheiro para que pudesse entrar na casa de Nash sob o pretexto de comprar mais drogas e ele deveria, ao sair, deixar uma das portas destrancadas para que o grupo entrasse.

Na madrugada do dia 29 de Junho, Holmes bateu à porta de Nash, lá permanecendo por algumas horas. A dependência química de John Holmes chegava a níveis alarmantes e ele acabou esquecendo tanto de pagar pela droga que consumiu quanto de deixar a porta destrancada como combinado.

Ao chegar ao apartamento na Wonderland Avenue, ele se atentou para o lapso cometido e voltou à mansão de Eddie Nash. Dessa vez ele fez tudo certo: pagou pela droga e deixou uma das portas abertas.

Na manhã do mesmo dia 29 de junho, três dos membros da Gangue de Wonderland — Billy DeVerell, David Lind e Roland Launius — invadiram a casa de Nash se fazendo passar por policiais. Eles estavam acompanhados de Tracy McCourt.

Durante o roubo, ao tentar imobilizar o segurança de Nash, Gregory Diles, a arma de um deles disparou, o que acabou ferindo Diles e acordando Eddie Nash, que dormia em sua suíte ainda sob o efeito de drogas.

John Holmes e Eddie Nash

Nash, com medo de ser assassinado, entregou todos os seus pertences de valor a eles: drogas, joias e dinheiro em espécie. No total, segundo levantamento posterior do Departamento de Justiça, a Gangue levou da casa de Nash pouco mais de 1,5 milhão de dólares.

De volta ao apartamento, Holmes teria ficado descontente com a divisão dos “espólios”, pois teria recebido apenas 5 mil dólares pela sua participação.

Não demorou muito tempo até que Nash suspeitasse de Holmes e colocasse sua cabeça a prêmio. No dia seguinte, ele foi encontrado pelo próprio Gregory Diles em um bar não muito longe da casa de Nash. Ele foi reconhecido pois estava usando um dos anéis de Nash.

Ainda de acordo com a defesa de Holmes, sua atuação na chacina que viria a seguir consistiu apenas em revelar, mediante tortura, a localização do apartamento da Gangue. A Promotoria, por outro lado, alegou que ele teria deliberadamente procurado Nash, ainda ressentido de sua ínfima parte no resultado do roubo, além de ter estado presente durante os brutais assassinatos.

O que se sabe é que Holmes revelou a Nash e seus comparsas a localização do apartamento na Wonderland Avenue, e no dia 1º de julho, Diles e pelo menos mais 3 pessoas invadiram o local. Munidos com barras de ferro e martelos, eles foram de cômodo a cômodo do apartamento espancando os presentes um a um até a morte.

Estavam presentes no apartamento Joy Miller e Billy DeVerell, a namorada de Lind, Barbara Richardson, que estava apenas de passagem e nada teve a ver com o roubo e Roland Launius e sua esposa Susan.

Nem David Lind nem Tracy McCourt estavam no local. Lind morreu em 1995, vítima de uma overdose de heroína e McCourt morreu em 2006 de causas naturais.

O corpo ensanguentado de Richardson foi encontrado na sala de estar ao lado do sofá, onde ela dormia durante a noite. Miller foi encontrada na cama que dividia com DeVerell, ao pé da cama em uma posição vertical inclinada contra o suporte da TV. Ron Launius foi encontrado morto em sua cama, com sua esposa Susan gravemente ferida ao seu lado, no chão. Apesar de sofrer graves danos cerebrais durante o ataque, Susan sobreviveu embora tenha ficado com amnésia permanente e não consiga se lembrar de nada relacionado ao ataque. Ela teve parte de seu crânio removido cirurgicamente além de ter perdido um dedo.

Os vizinhos relataram ouvir a agitação, mas ao invés de chamar a polícia, apenas pensaram se tratar de mais uma noite estridente de festa. Um deles apenas aumentou o volume da TV para abafar o barulho.

A polícia ficou tão impressionada com a quantidade de sangue na cena do crime que decidiu filmar tudo. O vídeo feito por eles foi eventualmente usado durante o julgamento, marcando a primeira vez na história dos EUA em que um vídeo foi usado como evidência em um processo criminal.

A filmagem policial está disponível no YouTube. Assista por sua própria conta, pois o vídeo contém conteúdo sensível.

Vale ressaltar que a polícia só encontrou os corpos e teve acesso à cena do crime mais de 24 horas após a chacina. Durante esse intervalo, dezenas de pessoas estiveram pilhando o apartamento. Até mesmo uma digital da palma da mão esquerda de John Holmes foi encontrada na cena do crime, o que corrobora a tese da Promotoria de que ele esteve presente durante a chacina, o que foi admitido por ele anos depois.

Holmes foi levado a julgamento em junho de 1982, sendo absolvido pela participação nos assassinatos. Ele chegou a ir para cadeia, mas foi solto cerca de três meses depois.

Sem nada, ele tentou voltar à indústria pornográfica apenas para sustentar seu vício, tendo conseguido apenas alguns papéis esporádicos em filmes pornô gay de baixo orçamento.

John Holmes

No final de 1985, John Holmes foi oficialmente diagnosticado com AIDS, mas continuou trabalhando sem contar aos produtores de seus filmes ou a seus colegas de elenco até 1986. quando os sintomas físicos da doença começaram a aparecer. A partir daí ele não conseguiu mais trabalho. Seu último filme, “The Devil in Mr. Holmes”, foi lançado um ano depois.

John Holmes morreu aos 43 anos, no dia 13 de Março de 1988, em decorrência de complicações da AIDS. Sua vida foi base para “Boogie Nights” e ele foi interpretado por Val Kilmer no filme “Crimes em Wonderland”, de 2003, que retrata a Chacina citada neste texto e suas diversas versões.

A verdade é que em muitos casos, como no de John Holmes, a vida é bem mais estranha e confusa que a ficção. ■

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