Silvio Guindane e Ricardo Oshiro em "Mare Nostrum" (2018) - Foto: Imovision/Divulgação
Silvio Guindane e Ricardo Oshiro em "Mare Nostrum" (2018) - Foto: Imovision/Divulgação

“Mare Nostrum”: Humanismo mágico

“Mare Nostrum” se passa em 2011 e traz uma premissa que diz muito daquele momento: dois brasileiros voltando para o país, fugindo da crise e das decepções que encontraram lá fora. O curioso é que o que eles encontram aqui – a necessidade de abrir mão de seus sonhos, ou adaptá-los às adversidades da vida – diz muito mais sobre hoje do que sobre aquele Brasil recém-saído dos anos Lula. Porque, como todo bom filme, o longa do diretor Ricardo Elias é mais um retrato de sua época do que um filme de época.

A história segue Roberto (Silvio Guindane), jornalista esportivo que volta da Espanha desempregado, para tentar escrever o livro que pesquisa há anos sobre seu ídolo de futebol da infância. Só que ele deve R$ 30 mil de mensalidade da escola da filha adolescente, Beatriz (Lívia Santos), e para pagar a dívida, decide vender um terreno que seu pai comprou na Praia Grande nos anos 80. O problema é que a escritura do lugar nunca foi passada para o nome do pai, e Roberto precisa ir atrás do dono original – cujo filho, Mitsuo (Ricardo Oshiro), acabou de voltar do Japão após o tsunami e precisa de R$ 20 mil para recomeçar sua vida.

Essa trama é desenvolvida sem pressa por Elias, que – assim como em seus filmes anteriores, “De Passagem” e “Os 12 Trabalhos” – está mais interessado em usá-la como retrato social de uma São Paulo suburbana, proletária e, acima de tudo, sonhadora. O realismo melancólico da primeira metade de “Mare Nostrum” – com os sonhos dos personagens sendo confrontados por um mundo literalmente cinza, lúgubre e escurecidos pelo contra-luz – lembra muito o cinema de Hirokazu Koreeda, com um olhar quase carinhoso para personagens imaturos tentando navegar as agruras da vida adulta.



A humanidade e a autenticidade desses personagens são ajudadas pelo bom elenco. Guindane retorna mais maduro após a parceria com Elias em “De Passagem”, e o veterano Carlos Meceni, chaveirinho do diretor, vive Orestes, um corretor cheio de lábia e apaixonado por platitudes e frases chavão – algo que fica bem cansativo com o passar do filme.

Esse tom realista e cotidiano do início dá uma guinada, porém, na metade final, quando Elias parece querer transformar sua crônica social em uma fábula para os dias de hoje, abusando da trilha melosa e onipresente de André Abujamra. O filme segue caminhos inesperados e faz algumas escolhas ousadas, que nem sempre convencem ou parecem afinadas com o tom do longa até ali.

O tempo e o ritmo cadenciados do início fazem falta no ato final, quando “Mare Nostrum” se perde um pouco em uma resolução um tanto confusa e acelerada. Enquanto as decisões tomadas por Roberto e Mitsuo precisam de mais elaboração para se justificar e esclarecer, Elias desperdiça tempo, por exemplo, com uma visita a uma ex-mulher do pai do protagonista que não acrescenta absolutamente nada à história.

O argumento que o diretor tenta explorar, sobre como é necessário abrir mão de alguns sonhos para que outros novos possam surgir, é válido e interessante. Mas o ritmo irregular e uma conclusão que não está à altura do que a antecede acabam funcionando na contramão dele: do jeito que está, os sonhos velhos parecem fazer mais sentido que os novos. ■

“Mare Nostrum” está em cartaz nos cinemas.