O subtítulo desta produção pernambucana remete à era da pornochanchada no cinema brasileiro, não por acaso. Ainda que evite emular declaradamente um filme daquela época, e tampouco tenha sido planejado como algum tipo de homenagem, o longa estabelece um inevitável paralelo geracional entre os tempos líquidos de hoje e o desbunde de ontem.
Dirigido por Jean Santos a partir do curta-metragem de mesmo nome, “Superpina” é um filme-mosaico que acompanha um grupo de personagens, ora centrando com maior afinco na trajetória de alguns deles, ora partindo para esquetes que envolvem outros.
Um dos personagens centrais é um rapaz que afirma nunca ter sentido tesão na vida. De orientação sexual ambígua, ele conhece uma moça na praia enquanto toma banho de sol nu, divide com ela um baseado, mas não consegue prosseguir no convite inesperado para uma transa rápida. Mais tarde, ele acabará participando de uma das orgias que o filme oferece de bandeja (a última, certamente mais interessante do ponto de vista simbólico), mas a resolução de seu conflito se perde no emaranhado narrativo que envolve clientes e funcionários do supermercado que dá nome à obra e que fica localizado no bairro do Pina, em Recife.
A chave cômica do roteiro (também assinado por Santos) é o deboche e ela funciona diversas vezes, especialmente dentro do supermercado, que conta com um insólito canal de TV interno e um garoto-propaganda peculiar: o Fofão Rasta, variação ainda mais exagerada do personagem dos anos 80 já ressignificado pela Carreta Furacão. As cenas no estabelecimento (na verdade, fragmentos, pois não chegam a efetivar um fluxo narrativo) tripudiam de relações trabalhistas e consumistas impostas pelo capitalismo, mas a expansão daquele microcosmo para o mundo externo não se mostra tão interessante (embora haja algumas sequências engraçadíssimas, como a do noticiário que mostra o ataque a um monumento da região).
O mistério do “Céu Piscante Multicor”, que mexe com a percepção dos personagens e faz aflorar seus instintos, acrescenta uma divertida, quase ingênua camada psicodélica que é mais estilo do que discurso. Aí, o filme perde nos momentos em que tenta se levar muito a sério (ao construir cenas performáticas, aparentemente, sob influência do que Gabriel Mascaro alcançou com êxito em “Boi Neon”) e cresce quando volta a se aproximar das comédias sexuais de três, quatro décadas atrás, sem apresentar pretensões ideológicas evidentes, a não ser fazer um elogio ao amor livre, fluido (ou simplesmente “primo”) em oposição ao conservadorismo careta e violento reerguido na (e pela) sociedade de uns anos para cá. Mas entre altos e baixos, “Superpina” sai relevante de sua proposição de oferecer entretenimento solar para quebrar a dureza destes dias estranhos. ■
Filme visto na Mostra Olhos Livres, da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
Acompanhe a cobertura completa da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes no cinematório.
Editor-chefe e criador do Cinematório. Jornalista profissional, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG e crítico filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e à Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Também integra a equipe de Jornalismo da Rádio Inconfidência, onde apresenta semanalmente o programa Cinefonia. Votante internacional do Globo de Ouro.