“Banquete Coutinho”, de Josafá Veloso, abriu o 8º Olhar de Cinema, em Curitiba, com a proposta de trazer um novo jeito de pensar a obra de Eduardo Coutinho: seriam seus filmes um filme só? E os personagens, alter egos do cineasta? Proposta um tanto ousada, considerando que a obra de Coutinho é reconhecida como uma das que melhor trabalham a alteridade. “Somente me interessam as coisas dos outros”, ele já disse em vida. Os outros, portanto, seriam também ele? Veloso articula três estratégias principais para tentar responder a essa indagação: deixar que Coutinho fale por si, apresentando uma entrevista cedida por ele ao diretor, num encontro que aconteceu em 2012; voltar às cenas de seus filmes consagrados como “Cabra Marcado para Morrer” e outros menos conhecidos ou raros; além de inserir comentários reflexivos que partem do que Coutinho diz e do que filmou.
Para além da metalinguagem e da proposta de tese, o filme se torna uma experiência envolvente quando o foco é o encontro com Coutinho, pois, tendo sido ele um grande documentarista e pensador, sua presença na tela e sua fala sempre carregam conteúdo e magnetismo únicos. Do distanciamento e desinteresse inicial do começo da conversa aos momentos de interação instigante, sincera e, ao mesmo tempo, performática com quem lhe assiste, estamos diante de uma personalidade que nos capta a atenção sem qualquer esforço. E no espaço em que ele se encontra faz todo sentido que esteja rodeado de livros, revistas e uma TV, tudo muito representativo de sua formação e trajetória profissional. Sabemos, assim, um pouco mais de seu processo criativo, como ele pensava a relação entre o real e a ficcionalidade, suas menções a autores como Pierre Bordieu e Walter Benjamin, e algumas de suas observações sobre aspectos da vida, dos mais banais aos mais profundos, como o gosto pelo gesto de fumar e nossa finitude.
Por outro lado, o filme não desenvolve sua premissa sobre a obra de Coutinho, deixando a desejar na profundidade do que se propôs inicialmente, o que leva a uma frustração. A ideia de que a obra dele seria um grande filme contado em várias partes precisaria ser trabalhada por Veloso não como uma afirmativa apenas, mas como uma análise, uma discussão, uma provocação. Mas isso não acontece nem mesmo com a inserção dos muitos trechos de filmes escolhidos para a montagem, que poderiam ser utilizados como reforço da releitura em questão, mas não o são.
Antes do longa-metragem de Veloso, teve exibição surpresa de “O Cinema Segundo Luiz Rô”, curta de Renato Coelho que faz um retrato de Luiz Rosemberg Filho, outro grande cineasta brasileiro, falecido recentemente. Mas o diálogo entre os filmes não acaba por ai. Ele também aproxima seu personagem do público através de suas próprias falas e pensamentos sobre o cinema. Também não se trata, portanto, de uma mera homenagem, mas de um olhar atento ao trabalho e ao homem que ele foi. “O cinema é um gesto afetivo”, Rosemberg Filho pontua. A subjetividade e o sonho eram alguns dos elementos que mais lhe interessavam em seu ofício, e, desse modo, seu experimentalismo e autoralidade também se destacaram. Interessante como tanto Rosemberg Filho quanto Coutinho entrelaçam afeto e politica de maneira muito sofisticada em suas obras. E ao final dessa sessão dupla, o que sobressai é a certeza de que trabalhos complexos e apaixonados, como os assinados por eles, não se deixam conter em uma única tese ou indagação. Como um banquete, de fato, Coutinho e tantos outros realizadores do nosso riquíssimo cinema nos alimentam com ideias, histórias e inspiração que são inesgotáveis. ■