Um filme necessário. Esta é uma boa frase para começar a falar sobre “Alice Júnior”, afinal, “a revolução precisa ser travesti”, como já nos diz, desde o trailer, este longa que passa longe de ser apenas mais uma comédia adolescente. Destaque em premiações nacionais e internacionais, como o Festival do Rio e o Festival de Berlim, o longa dirigido por Gil Baroni (“O Amor de Catarina”) narra a história da personagem-título (papel de Anne Celestino Mota), uma youtuber do Recife que se vê obrigada a se mudar para uma cidade interiorana no Sul do Brasil, devido a uma pesquisa realizada pelo pai (Emmanuel Rosset), cujo trabalho é criar fragâncias de perfumes.
Os dilemas começam quando a protagonista precisa estudar em um colégio católico. Poderia ser uma história focada apenas na vivência de Alice como uma jovem transexual em um lugar opressor, mas o filme busca dialogar com um público maior. Existem sim cenas que tratam do estranhamento que as travestis sofrem e causam em ambientes heteronormativos, mas o filme fala também de questões próprias da adolescência, amizade, primeiros amores, enfim, todos os tópicos que estamos acostumados a ver nas chamadas “comédias escolares”. A estética do filme traz ainda mais essa jovialidade, não só pela personagem pertencer ao mundo dos youtubers, mas também por trazer elementos gráficos animados para expressar sensações e intensificar frases ditas por Alice, o que dá uma sensação de leveza e conexão com os meios digitais.
As relações familiares também são exploradas entre os personagens. Vemos claramente a admiração mútua existente entre Alice e seu pai. A aceitação nessa relação familiar chama por uma naturalidade que deveria ser ideal, contudo, é inegável o contraste com a realidade do Brasil quando olhamos para a intolerância e a transfobia na nossa sociedade. Só neste ano de 2020, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), já foram mais de 80 assassinatos contra a população LGBTQIA+. Um filme como “Alice Júnior” se torna essencial neste contexto, por ser uma referência para uma mudança possível, além de promover a representatividade tão necessária (e ainda longe de ser alcançada) em espaços da mídia.
Algo também válido de ser ressaltado sobre o longa é que, além da temática da aceitação, ele traz uma protagonista nordestina sem a colocar em padrões estereotipados, contribuindo dessa forma para o cinema fora do eixo Rio-São Paulo, ainda tão presente dentro do circuito nacional. A discussão acerca do movimento feminista também é feita de maneira poética e potente, quebrando barreiras de olhares e apontando para além dos problemas adolescentes e do preconceito.
“Alice Júnior” traz em si luz, tanto em sua fotografia quanto na história. É um filme sobre ter esperança e aceitar não só quem o outro é, mas também quem nós somos, de maneira leve e natural. ■
ALICE JÚNIOR (2019, Brasil). Direção: Gil Baroni; Roteiro: Luiz Bertazzo; Produção: Andréa Tomeleri; Fotografia: Renato Ogata; Montagem: Pedro Giongo; Música: Vinícius Nisi; Com: Anne Celestino Mota, Emmanuel Rosset, Matheus Moura, Surya Amitrano, Thais Schier, Igor Augustho, Gustavo Piaskoski, Kátia Horn, Cida Rolim, Marcel Szymanski; Estúdio/Produtora: Beija Flor Filmes; Distribuição: Olhar Distribuição. 87 min
