Em tempos em que muito se discute sobre as implicações da hiperconectividade e os impactos da pandemia na saúde mental, estreia hoje nos cinemas, “Depois a Louca Sou Eu”, longa-metragem estrelado por Débora Falabella sobre uma jovem mulher chamada Dani, que durante toda a vida vem enfrentando transtorno de ansiedade e consequentes crises de pânico. Com direção de Julia Rezende (“Ponte Aérea”, “Meu Passado Me Condena”), e roteiro de Gustavo Lipsztein, adaptado do livro homônimo de Tati Bernardi, o filme se desenvolve com muito humor e leveza, pois segue a perspectiva de sua protagonista-narradora, que sabe rir de si mesma ao revisitar as situações mais adversas. Ao mesmo tempo, consciente da seriedade do assunto, a narrativa não se perde das dores que envolvem a fragilidade psicológica e, assim, equilibra a comédia com pequenas, mas certeiras doses de drama.
Em coletiva de imprensa online, realizada na segunda-feira, dia 22 ─ aniversário da atriz Débora Falabella, inclusive ─ após a exibição do filme para jornalistas, a equipe conversou sobre os bastidores da produção, como a pandemia afetou o lançamento, processos de criação de personagens, composição visual e a importância de se discutir abertamente sobre sofrimento psicológico. Além de Débora, estavam presentes: a diretora Julia Rezende, a atriz Yara de Novaes, o ator Gustavo Vaz, a produtora Mariza Leão e a mediadora do encontro, a jornalista e crítica de cinema Flávia Guerra.
Segundo Julia Rezende, um dos principais desafios da adaptação do texto de Tati Bernardi foi organizar a narrativa com começo, meio e fim, pois o livro não foi escrito dessa forma. “A personagem já era muito bem definida e muitas situações no livro viraram cenas para o filme, mas por não ser uma narrativa linear, a adaptação foi desafiadora e se tornou possível com o trabalho do nosso roteirista, Gustavo Lipsztein, que foi muito sagaz, construindo um roteiro vertiginoso e imagético”. E afirmou: “Eu fiquei bem feliz com o resultado”.
Sobre a composição da Dani, Débora Falabella comentou que já conhecia o livro e a Tati Bernardi e que, num primeiro momento, estava muito atrelada ao jeito de ser da escritora. “Eu busquei imagens da Tati, como ela era, porque, sabendo que o livro é autobiográfico, pensava a Dani sendo ela”. Mas isso mudou com a finalização do roteiro, que deu outra percepção para a atriz. “Quando o roteiro ficou pronto, percebi que eram personagens diferentes e que não devia ser baseada em alguém que existe, mas ser criada do zero, com referências apenas na relação com os outros personagens da história, além da inspiração em vivências pessoais minhas e de pessoas que enfrentam ansiedade”, completou.
Vale lembrar que a pandemia atrapalhou o lançamento inicial do filme, que estrearia em 2020 no circuito comercial. Com a interrupção brusca dos planos, surgiu a ideia da websérie “Diário de Uma Quarentena” (disponível no Instagram da Paris Filmes). Nela, Falabella volta à personagem Dani, gravando de casa, com direção remota de Rezende, para compartilhar seu dia-a-dia “quarentenada”. “A pergunta ‘como seria essa personagem nesse momento’ foi o que nos inspirou a fazer isso”, disse Falabella. “A Dani já não gostava de sair de casa, já tinha um avô que lavava as compras com vinagre, então eram várias coincidências para serem aproveitadas, manter o filme vivo”. Com essa iniciativa transmídia, “Depois a Louca Sou Eu” se aproximou ainda mais das pessoas, trabalhando a divulgação de maneira inventiva.
Por falar em aproximação com as pessoas, sobre o tema da ansiedade, Falabella chamou a atenção para a sua percepção de que, antes mesmo da pandemia, quando o filme foi exibido na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio, o público se enxergou no filme e se viu na Dani e nos outros personagens. “Isso é muito importante, entender que não se está sozinho, que esse tipo de problema não acontece só com você”, ela afirmou. E Gustavo Vaz, que faz o papel de Gilberto, completou: “O encontro entre Gilberto e Dani é um encontro de angústias, algo bonito pela aceitação e acolhida um do outro. A relação do casal e a trajetória da protagonista falam sobre se perceber falho e se perceber tentando ainda assim. Traz a sensação de pertencimento, o lugar de abraço do cinema”, finalizou.
A relação com a mãe, a mais importante e definidora de vários aspectos na vida da Dani, também foi discutida. A atriz Yara de Novaes foi direta ao dizer que “o ponto de partida fui eu mesma, pois eu sou mãe”. E declarou com sorrisos: “chega um determinado momento da vida materna que você acaba virando uma pessoa folclórica, em que os filhos começam a lidar com você como se em algum momento você falará alguma bobagem”. Além disso, ela destacou algo do filme que considera essencial: “conhecer a própria história é importante para lidar com as frustrações, se entender”.
Quanto aos detalhes técnicos, Julia Rezende disse ter usado 95% das cenas com lente grande angular 24, que traz a sensação de desconforto e distorção aos closes, e lentes macro para chegar nos detalhes do que a Dani via e ninguém mais percebia. Também a escolha das cores tem um propósito bem específico: “Tanto na luz quanto na direção de arte, em todos os momentos de crise da Dani há um detalhe de vermelho, sendo este o signo de algo que paralisa, enquanto o verde é usado como signo de conforto. Já para as microcenas dos remédios se dissolvendo, nossas referências foram os trabalhos do diretor francês Michel Gondry [de ‘Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças’], o filme ‘Réquiem para um Sonho’, de Darren Aronofsky, principalmente, que ajudaram a encontrar essa linguagem”.
Por fim, Mariza Leão, a produtora, acrescentou sobre a pós-produção e finalização que, segundo ela, “foi bastante trabalhosa, é uma obra bordada em seus detalhes”. Ao subirem os créditos, de fato, fica a sensação de um trabalho feito por uma equipe que se entregou, entre imperfeições e acertos, como toda arte é, inclusive a arte da própria vida.