É difícil descrever um filme como “Minari”. Ao mesmo tempo em que é tão profundo e cheio de camadas, ele traz também uma mensagem bastante literal a respeito da vida e das nossas relações. Uma mensagem honesta sobre a vivência humana e todas as suas adversidades em um retrato de uma família que apenas busca uma vida melhor. O longa é dirigido e roteirizado por Lee Isaac Chung (aclamado por seu longa de estreia, “Munyurangabo”, de 2007) e foi indicado em seis categorias do Oscar, incluindo as de Melhor Filme, Direção e Roteiro Original.
O início do filme é uma contemplação de uma bela paisagem, luzes solares e uma filmagem feita atentamente aos detalhes, como se estivéssemos acompanhando o processo de uma pintura, focando em cada cor usada na tela. Quase se acredita, no primeiro momento, que se trata de um filme sobre sonhos, histórias felizes e só. Mas a busca da felicidade é, muitas vezes, mais profunda do que a capa do livro propõe. E, dessa forma, o longa apresenta as diferentes camadas de uma família sul-coreana que se muda para a zona rural do Arkansas, durante a década de 1980, na tentativa de obter independência financeira através de uma plantação de legumes nativos de sua terra natal.
Nosso olhar fica dividido entre os personagens, uma maneira de dar muitas perspectivas a essa fase da vida deles em comum. Temos a curiosidade de criança — atenta a todos os detalhes e conversas — pelo olhar de David (interpretado pelo estreante Alan Kim), a insatisfação e o realismo — de uma verdade difícil de encarar — pelo olhar da Monica (Yeri Han), o otimismo e o sonho de sucesso, seguidos pelo cansaço e tristeza pelo olhar de Jacob (Steven Yeun, de “Em Chamas” e “Okja”) e a despretensão e a alegria pelo olhar de Soonja (Youn Yuh-Jung, “A Dama de Baco”). Nós nos apoiamos nesses quatro modos de ver distintos em meio aos tumultos da rotina dessa família e nos questionamos com quem nos identificamos mais. O único incômodo que tive foi a falta de uma presença mais forte da filha mais velha, Anne (interpretada pela também estreante Noel Cho). Seu arco se torna o mais apagado da história, marcado por algumas cenas em que ela serve de maneira secundária, sempre como apoio.
Com atuações primorosas de Yuh-Jung e Yeun, Soonja e Jacob acabam, de uma forma geral, por terem suas construções dramáticas mais desenvolvidas, talvez por a avó e o pai nos passarem uma visão mais confiante ou esperançosa em meio às atribulações do dia a dia. Ao mesmo tempo, tantas coisas também são ditas no silêncio dos dois: desamparo, desânimo, arrependimento… Tudo acaba sendo expressado em meio a olhares vazios em determinados momentos. Quantas vezes acabamos por nos calar em meio a tanto que temos a dizer? Respostas que só o silêncio conhece e que no filme são visíveis.
Além desta parte emocional e introspectiva, “Minari” também aborda, numa relação macro, o que é ser estrangeiro em um país como os Estados Unidos. Por mais que eles lutem pelo sonho americano, para conseguir uma vida melhor na “terra das oportunidades”, como a “América” se autodenomina, ainda assim, existem as limitações socioculturais e os preconceitos sofridos por pessoas de origem asiática. Não há uma aceitação plena e a sensação é de que sempre há uma linha entre o pertencimento e o não pertencimento ao lugar em que escolheram viver. Esta linha fica ainda mais nebulosa para as crianças, que também não pertencem inteiramente à Coreia do Sul, pois já possuem mais costumes norte-americanos do que coreanos.
“Minari” traz em seu título o nome de uma planta comestível nativa da Coreia. Em determinado momento do filme, Soonja explica que Minari é capaz de crescer facilmente em qualquer lugar e é adaptável aos fins para que ela será usada: “Rico ou pobre, qualquer um pode desfrutar e ser saudável… Pode ser medicinal, se você estiver doente. Minari é maravilhosa, maravilhosa!” Como uma família, a Minari passa por diversos terrenos, alguns mais férteis que outros, mas sempre serve de alimento e força quando colhida. Talvez seja esta a mensagem mais forte do filme: mostrar como uma família deve ser Minari e se adaptar para encontrar a felicidade. ■
MINARI – EM BUSCA DA FELICIDADE (Minari, 2020, EUA). Direção: Lee Isaac Chung; Roteiro: Lee Isaac Chung; Produção: Christina Oh, Jeremy Kleiner, Dede Gardner; Fotografia: Lachlan Milne; Montagem: Harry Yoon; Música: Emile Mosseri; Elenco: Steven Yeun, Yeri Han, Alan Kim, Noel Kate Cho, Youn Yuh-Jung, Will Patton; Estúdio/Produtora: Plan B; Distribuição: A24, Diamond Films. 115 min