Mistura de filme-catástrofe, western e thriller de ação, “Aqueles Que Me Desejam a Morte” traz Angelina Jolie no papel de Hannah, uma bombeira traumatizada por não ter conseguido salvar um grupo de crianças e um colega de trabalho de um incêndio florestal. Anos depois, ela se vê diante de uma oportunidade de redenção ao ter que proteger um garoto (Finn Little) perseguido por uma dupla de assassinos (Aidan Gillen e Nicholas Hault) na reserva ambiental onde trabalha, em Montana, nos Estados Unidos.
O menino é procurado por levar consigo uma informação sigilosa descoberta por seu pai e capaz de derrubar autoridades importantes. Esse segredo, porém, nada mais é que um MacGuffin. O que interessa de verdade ao filme é a caçada humana.
Nos últimos anos, imagens nos noticiários mostrando incêndios florestais de grandes proporções lamentavelmente se tornaram comuns, seja no Brasil, nos EUA, na Austrália, em Portugal ou em outros países. Com o agravamento da crise climática, o céu avermelhado e nuvens de fuligem sobre grandes centros urbanos remetem a cenas de ficção científica e mostram que a nossa realidade se fez das distopias.
Em “Aqueles Que Me Desejam a Morte”, porém, o fogo devastador assume funções narrativas que não necessariamente o colocam como uma ação predatória do ser humano. Ainda que dois personagens deliberadamente iniciem o incêndio que irá acompanhar boa parte da trama, as chamas são encaradas pela protagonista como se fossem uma entidade ou uma força autônoma da natureza, tal qual um vulcão ou um tornado. Em determinado momento, alguém pergunta como foi ficar cara a cara com o incêndio e ela responde: “Foi lindo.”
Essa breve linha de diálogo é um bom exemplo do pé em que “Aqueles Que Me Desejam a Morte” se estetiza, afastando qualquer abordagem realista ou postura crítica a respeito da questão ambiental, um dos temas mais urgentes que o mundo precisa enfrentar desde ontem. Pelo contrário, as imensas e impiedosas labaredas destruindo as copas das árvores são mostradas de modo a exercer um fascínio, enquanto imagem mesmo, como se contemplar a destruição fosse “lindo”.
Disponível na HBO Max, o filme é dirigido por Taylor Sheridan, que curiosamente saiu do gelo para o fogo, já que seu longa anterior, o também questionável “Terra Selvagem”, é situado no frio congelante do Wyoming (ele inclusive retoma a parceria com o talentoso fotógrafo Ben Richardson, cujo currículo ainda inclui “Indomável Sonhadora” e a série “Mare of Easttown”). São dois trabalhos unidos por elementos do western, gênero que o cineasta texano já havia visitado com sucesso quando escreveu o roteiro de “A Qualquer Custo” (indicado ao Oscar) e realizou a série “Yellowstone”, estrelada por Kevin Costner.
Porém, o diretor que demonstrava ser promissor em “Terra Selvagem” pesa a mão em “Aqueles Que Me Desejam a Morte” ao buscar uma proximidade maior com os thrillers de ação. Embora tenha escrito “Sicario: Terra de Ninguém” e “Sem Remorso”, Sheridan ainda não havia dirigido um filme desse tipo e fica muito nítido que ele teve dificuldades para ir além do convencional para o gênero (algo, aliás, que também pode ser dito sobre a trilha sonora composta por Bryan Tyler).
As perseguições e situações de confronto entre criminosos e vítimas são representadas da maneira que Hollywood há anos torna palatáveis ao entretenimento de massa. E assim, por mais que este não seja um filme de fantasia ou de super-heróis, a personagem de Angelina Jolie não está muito distante da Lara Croft que ela interpretou nos anos 1990. Ainda que as poses sensuais e o olhar objetificador não estejam aqui, Hannah é caracterizada como uma heroína de filme de ação, capaz de deliberadamente atravessar um campo durante uma tempestade de descargas elétricas e sobreviver.
Pode ser que a busca da personagem por situações de risco (como bombeira, ela também atua como smokejumper, profissional que salta de paraquedas em operações de resgate) funcione como um exercício para ela expurgar o seu trauma. Mas, de novo, a forma artificial com que Sheridan nos mostra essas ações se voltam contra o filme e atrapalham uma representação psicológica mais aprofundada de Hannah.
Mesmo que não se dedique a ser um estudo de personagem, o filme até poderia se sair bem se fosse habitado por pessoas, e não por estereótipos. Para além da protagonista, a única personagem que desperta interesse é Allison, vivida por Medina Senghore. Grávida e casada com o policial de plantão (papel de Jon Bernthal), ela participa de uma sequência emblemática em que podemos identificar claramente a junção dos elementos do western e do thriller de ação na tela.
Baseado no romance homônimo de Michael Koryta, o roteiro foi escrito por Sheridan ao lado de Charles Leavitt (“Diamante de Sangue”) e do autor do livro – ele que, ao que consta, também propõe uma narrativa mais voltada para a ação, e não para as personagens ou a questão ambiental. Seja como for, fidelidade ao material original não é obrigação e nunca foi garantia para render um bom filme. “Aqueles Que Me Desejam a Morte” pode até agradar ao público que só quer ver isso que está na tela mesmo. No entanto, perde-se uma boa oportunidade de se fazer um filme relevante e em sintonia com o que acontece no mundo. ■
AQUELES QUE ME DESEJAM A MORTE (Those Who Wish Me Dead, 2021, Canadá, EUA). Direção: Taylor Sheridan; Roteiro: Taylor Sheridan, Charles Leavitt, Michael Koryta (baseado no livro de Michael Koryta); Produção: Aaron Gilbert, Garrett Basch, Taylor Sheridan, Kevin Turen, Steven Zaillian; Fotografia: Ben Richardson; Montagem: Chad Galster; Música: Brian Tyler; Com: Angelina Jolie, Finn Little, Jon Bernthal, Aidan Gillen, Nicholas Hoult, Jake Weber, Medina Senghore, Tyler Perry; Estúdio: Bron Studios, Film Rites; Distribuição: Warner Bros. 140 min