Adolescentes, Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) brincam em meio às ruínas de uma casa abandonada, imaginando um universo só deles. Correm livres e inseparáveis pelos campos e plantações da região onde vivem. Tocam instrumentos. Desenham. Riem de coisas idiotas. Sonham com o futuro. Dormem juntos. Eles amam um ao outro.
É um amor que o diretor belga Lukas Dhont (“O Florescer de uma Garota”) constrói por meio de planos extremamente fechados, que estabelecem uma cumplicidade e uma proximidade quase siamesa não só entre os dois garotos, mas entre o espectador e eles – essa ideia de “Close” presente no título. Léo e Rémi parecem tão próximos e mutuamente necessários quanto o ar que respiram. Eles amam um ao outro.
Até o momento em que se inicia o ano letivo, com os dois adentrando uma nova escola. Num dos vários planos absolutamente devastadores do filme, Dhont abre sua câmera num lento zoom out enquanto eles entram pela primeira vez no pátio do colégio, e esse universo íntimo e particular da dupla de protagonistas se revela um pequeno e frágil fragmento de um mundo bem maior, onde os colegas querem dar um nome – um rótulo – a esse amor. Léo e Rémi são irmãos? Amigos? Melhores amigos? Mais que amigos? É uma ruptura sem volta, a partir da qual esses planos super aproximados entre os dois vão se tornando cada vez mais raros, mais distantes, com a dupla dinâmica sendo gradualmente dividida em quadros separados.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e representante da Bélgica no Oscar 2023, “Close” é um longa sobre o momento em que, sem se importar se estamos preparados ou não, a vida nos empurra para fora da infância rumo à vida adulta. Ou, mais especificamente, sobre aquele momento em que meninos são obrigados a se tornar essa besta mitológica, esse monstro, chamado “homem” – e a complexidade do que isso pode significar.
Entre ser feliz, ser ele mesmo e ser “homem”, Léo escolhe a última opção. E isso tem consequências catastróficas. Há um momento no filme em que ele está dentro de um ônibus e se recusa a sair porque, ainda que inconscientemente, sabe que assim que pisar fora dali, sua infância – e toda a inocência que ela carrega – chegará ao fim. E nós, espectadores, queremos ficar ali com o protagonista porque sabemos o quanto isso dói.
Uma das imagens mais significativas de “Close”, porém, é Léo num exercício do treino de hóquei no gelo, correndo de um lado para o outro do rinque, jogando o corpo violentamente contra as paredes laterais. É uma síntese do que é ser adulto: quebrar-se e machucar-se até que mais nenhuma parte do nosso corpo e nosso espírito reste intacta, indolor. Até que estejamos tão acostumados e anestesiados pela dor que não tenhamos mais a capacidade de sentir nada. Até que aquilo que tenhamos de mais puro e mais íntegro – nossa inocência, nossa infância, nossa capacidade de amar sem julgar – tenha morrido. Desaparecido por completo.
Dhont e seu longa nunca definem a natureza específica da relação entre Léo e Rémi. Porque ela não importa, eles são crianças. Mas é inquestionável que o motivo por trás dos eventos trágicos da trama é a homofobia. E um dos méritos do filme é que não há nenhum personagem radical ou violentamente preconceituoso, homofóbico, misógino. O que o cineasta quer mostrar é como vivemos num mundo que ensina a garotos que eles não podem demonstrar afeto um pelos outros – que ser “homem” é violência, não amor. E convida o espectador a observar as consequências dessa perversa lógica cultural.
O que vem a ser um convite a chorar. Muito. “Close” é uma produção que não é tímida nessa sua intenção. Porque essa lógica é triste. Ser adulto, ser “homem”, hoje é algo muito triste. E talvez despertar nossa capacidade de chorar, de sentir empatia pela dor de uma criança perdendo sua inocência seja o início de uma necessária mudança. O talentoso Eden Dambrine tem recebido merecidos elogios por carregar esse doloroso e complexo arco dramático em suas costas, mas o trabalho impecável de Gustav de Waele é igualmente impressionante. Os closes do rosto de Rémi silenciosamente olhando para seu melhor amigo, irmão, amor, e tentando inarticuladamente perguntar “por que você não me ama mais? Por que nós não podemos simplesmente nos amar como antes?” estão entre as imagens mais devastadoras que você vai ver num cinema em 2022. E precisamos chorar por fazer isso com nossos meninos. ■
O crítico viajou a convite do 19º Sevilla European Film Festival.
CLOSE (2022, Bélgica). Direção: Lukas Dhont; Roteiro: Lukas Dhont, Angelo Tijssens; Produção: Michiel Dhont, Dirk Impens, Michel Saint-Jean; Fotografia: Frank van den Eeden; Montagem: Alain Dessauvage; Música: Valentin Hadjadj; Com: Eden Dambrine, Gustav De Waele, Émilie Dequenne, Léa Drucker; Estúdio: Menuet Producties; Distribuição: A24 (EUA); Duração: 1 h 45 min.
filme Close dirigido por Lukas Dhont
filme Close dirigido por Lukas Dhont
filme Close dirigido por Lukas Dhont
filme Close dirigido por Lukas Dhont