"Pânico 6" (Scream VI, EUA), de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett - Foto: Paramount Pictures/Divulgação
Foto: Paramount Pictures/Divulgação

“Pânico 6”: Novo cenário do horror, velhos perigos

“What’s your favorite scary movie?” 

Sendo sincero, posso dizer que não é nenhum da franquia “Pânico”. O que não significa, obviamente, que eu não adore o filme original e a maioria das sequências. O “Pânico” original, de 1996, revitalizou o subgênero slasher (já explorado à exaustão), trazendo comentários metalinguísticos muito perspicazes acerca do panorama de então do cinema de horror. A sequência, de 1997, se manteve praticamente no nível do primeiro filme, agora se passando na faculdade e falando justamente sobre continuações.

“Pânico 3”, de 2000, que considero o mais fraco da franquia, ainda é um bom slasher, e escolhe apontar a sátira aos capítulos finais de trilogias no terror, tendo como cenário os sets de filmagens de Hollywood. Já “Pânico 4” (2011), último filme da série dirigido por Wes Craven antes de sua morte em 2015, retorna para Woodsboro e novamente propõe um olhar irônico direcionado à indústria dos filmes de horror, em especial no que se refere ao esgotamento das sequências, a uma volta aos filmes originais e à disseminação das mídias sociais.



Onze anos após o que havia sido considerado o capítulo final da saga de Sidney Prescott (Neve Campbell), Gale Weathers (Courteney Cox) e Dewey Riley David Arquette) lutando incessantemente contra o psicopata da vez vestido de Ghostface (dublado ao telefone por Roger L. Jackson), os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett ressuscitaram a franquia, agora protagonizada pelas irmãs Sam (Melissa Barrera) e Tara Carpenter (Jenna Ortega). “Pânico” (2022), também conhecido como “Pânico 5”, traz uma boa modernização da série de filmes criada por Craven e Kevin Williamson (um dos produtores executivos tanto do filme de 2022 quanto desta sexta entrada da saga) e doses ainda maiores de violência, além da sátira a diversos clichês, conceitos e elementos contemporâneos do horror, particularmente em relação às sequências de legado ‒ que mantêm a continuidade dos originais, ocorrendo alguns anos depois e apresentando um novo elenco, enquanto aproveitam a nostalgia dos personagens antigos ‒ e à cultura de fãs.

Como o sucesso de crítica e de público, um novo filme não demorou a ser anunciado. Cerca de um ano após a volta de Ghostface e suas vítimas a Woodsboro, “Pânico VI” transfere a carnificina da pequena cidade californiana para o centro de Nova York. Novamente dirigido por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett e roteirizado pela dupla James Vanderbilt e Guy Busick, o filme acompanha a irmãs Carpenter e seus amigos gêmeos Mindy (Jasmin Savoy Brown) e Chad (Mason Gooding) se estabelecendo na costa leste americana após terem escapado com vida no longa anterior.

Junto ao elenco mais jovem, as veteranas Gale (preciso assinalar que Courteney Cox está sempre ótima no papel!) e Kirby (Hayden Panettiere) também estão de volta e têm seus momentos de confronto com Ghostface, enquanto Sidney Prescott não aparece pela primeira vez na franquia, em função do protesto de Neve Campbell contra o salário oferecido a ela para dar vida a personagem novamente.

No entanto, embora o filme seja bem-sucedido ao investir na metalinguagem de praxe e tecer alguns comentários sobre o crédito irrestrito que muitas pessoas dão às narrativas que circulam em redes sociais, algo me diz que os roteiristas começaram a ficar sem ideias para a história, após tudo que já foi apresentado nas várias sequências. O filme acaba caindo então na perigosa armadilha de ser, em grande parte, mais do mesmo, e algumas das boas oportunidades de inovar, tanto nos acontecimentos como nas discussões, parecem ser desperdiçadas.

A já tradicional primeira cena do filme, por exemplo, tem pelo menos dois problemas. O primeiro diz respeito à autoconsciência do roteiro, que aqui é usada como desculpa para que uma personagem faça algo completamente incoerente em relação à sua caracterização. É como se os criadores pensassem que, assumindo a consciência de que algo não faz sentido ou é contraditório, a falha passaria a ser válida, o que não é verdade. Já em um segundo momento, a cena ensaia uma discussão sobre misoginia e violência contra o corpo feminino no cinema de horror que, se fosse levada adiante, poderia talvez tornar o filme um dos mais contundentes da franquia. Claro, a obra não é obrigada a entrar neste e em nenhum outro tipo de seara, mas então qual a justificativa para jogar um indício de que será este um dos caminhos?

Isso porque, ao final do filme, descobriremos que a solução do habitual Whodunnit (“Quem matou?”) não poderia ser mais tradicional, inclusive repetindo resoluções e motivações semelhantes já presentes em filmes anteriores. Mas claro, o roteiro tenta ser esperto o bastante para prever que este seria um questionamento e, lá no início, por meio da voz metalinguística dessa nova fase da franquia, Mindy, nos adverte que sequências das sequências de legado tendem a repetir elementos das primeiras continuações, mas com um grau muito maior de imprevisibilidade aqui e ali.

Acontece que “Pânico VI” em nenhum momento concretiza esta máxima de que tudo pode acontecer e que ninguém está a salvo (no que o filme claramente fica devendo a seu antecessor), assim como também não traz grandes surpresas quanto à revelação que todos sempre esperam. Por exemplo, eu adoraria que ao final de um filme da franquia o assassino não tivesse motivo algum, e fosse simplesmente alguém que resolveu perseguir uma pessoa que viu passando pela televisão ou por um feed de rede social, o que inclusive dialogaria ainda mais e poderia adensar a discussão sobre o efeito de discursos propagados por meio das plataformas nas crenças das pessoas.

Mas, verdade seja dita, ninguém (falo também por mim) decide assistir a “Pânico VI” esperando um enredo disruptivo e vanguardista. E confesso que é muito interessante ver filmes de terror que, apesar dos problemas e de um certo desgaste, entregam uma experiência divertida, enérgica e emocional. Afinal, que cinéfilo e/ou amante de horror não abre um sorriso quando Mindy e Kirby (Hayden Panettiere) começam a discutir opiniões sobre cinema, ou quando reconhece diversos pôsteres de filmes consagrados por toda parte, ou ainda quando um desfile de Halloween se torna palco para as fantasias das franquias mais celebradas e queridas do horror?

O que realmente queremos, além destes acenos ao público, é a tensão das vítimas lutando pela própria vida, as cenas de perseguições e mortes distendidas ao máximo e a constante sensação de estarmos presos à poltrona aguardando pelo próximo ataque do assassino mascarado. E isso o filme faz muito bem, de uma forma tão competente que me lembrou inclusive a continuação do original, principalmente nas cenas/sequências da mercearia, da perseguição a Gale em sua casa e do trajeto dentro do metrô de Nova York.

Aliás, o longa consegue aproveitar muito bem o fato de se passar na cidade, tanto em paisagens urbanas como o Central Park e o elegante bairro Upper East Side, quanto no que tange à progressão dramática, explicitando o quão paradoxal é estar em uma metrópole e ainda assim à mercê de uma morte brutal. É angustiante, por exemplo, o momento em que Sam, Tara e seus amigos estão dentro dos vagões lotados e a atmosfera construída é de total desamparo, muito embora os personagens estejam cercados por dezenas de pessoas. Seguindo a explicação de Mindy, este sexto filme é claramente mais ambicioso e aposta em cenas mais grandiosas e inusitadas, além de aumentar significativamente o nível de violência e gore das mortes, exibindo um trabalho primoroso de maquiagem combinada aos efeitos digitais.

Mas o que chama a atenção em “Pânico VI” é realmente a direção e, mais ainda, a montagem, assinada por Jay Prychidny, que recentemente trabalhou como editor de metade dos episódios de “Wandinha”, da Netflix. Os realizadores e o montador sabem o momento certo de carregar na ação e nos planos rápidos, mas também dominam com precisão impressionante os instantes de distensão extrema da duração dos planos. Tanto é que eu (e, poderia apostar, outras pessoas) me peguei várias vezes prendendo a respiração ou quase gritando para as personagens, tamanho o estado de suspensão no qual o público é deixado a cada nova investida do Ghostface. Nesse ponto o roteiro também ajuda, construindo bem uma teia de situações na qual todos são colocados como suspeitos e também possíveis alvos do psicopata, tornando a confiança um ativo precioso em meio a tantas reviravoltas na possível identidade real de Ghostface.

Esta relação entre os personagens, a propósito, sempre traz chaves interessantes de leitura para os filmes da franquia, que muitas vezes não são ressaltadas quando se fala da série. Embora “Pânico VI” seja um filme slasher, como os demais, ele mantém a tradição de desenvolver e aprofundar, em paralelo às perseguições e mortes, os laços que unem as vítimas. O conflito afetivo da vez dá prosseguimento à relação entre as irmãs Sam e Tara. Se no primeiro filme as duas estavam lidando com uma reaproximação traumática e com descobertas sobre o passado, no novo longa as personagens vivem o drama de decidir o quão suas vidas estarão atreladas às experiências que viveram, com Tara clamando por sua independência e Sam sufocando a irmã com a superproteção enquanto lida com sua própria herança assassina.

Para que essa interação funcionasse bem, era fundamental que as atrizes entendessem seus papeis e a dinâmica entre as irmãs, o que acontece. Melissa Barrera e Jenna Ortega entregam interpretações totalmente sintonizadas, colaborando com o roteiro ao tornar as personagens mais complexas, com questões que ultrapassam a matança, o que será consolidado com o interessante plano final do longa, quando Sam precisa escolher entre o legado de assassinatos ou uma nova vida com a irmã mais nova.

A franquia “Pânico” continua não tendo nenhum dos meus filmes de horror favoritos. O sexto filme não tenta inovar na já muito reforçada fórmula que tornou a história conhecida (horror slasher combinado à metalinguagem) e se mostra pouco corajoso ao apenas reconhecer suas possibilidades mas se manter na zona de conforto. Poderia ser um filme melhor? Certamente sim. Entretanto, o longa entrega cenas tensas, suspense muito bem construído, uma montagem ritmicamente consciente, atuações precisas tanto nos momentos dramáticos quanto nos instantes de horror e comentários pertinentes sobre o gênero terror e os discursos nas redes sociais. E, afinal de contas, é isso que importa, em se tratando de nada menos do que a quinta continuação do clássico original. Qualquer mesmice no filme acaba por ganhar uma sobrevida com a intensidade emocional que se segue a uma frase ao telefone: “What’s your favorite scary movie?”. ■

Nota:

PÂNICO 6 (Scream VI, 2023, EUA). Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett; Roteiro: James Vanderbilt, Guy Busick; Produção: William Sherak, James Vanderbilt, Paul Neinstein; Fotografia: Brett Jutkiewicz; Montagem: Jay Prychidny; Música: Brian Tyler, Sven Faulconer; Com: Melissa Barrera, Jasmin Savoy Brown, Jack Champion, Henry Czerny, Mason Gooding, Liana Liberato, Dermot Mulroney, Devyn Nekoda, Jenna Ortega, Tony Revolori, Josh Segarra, Samara Weaving, Hayden Panettiere, Courteney Cox; Estúdio: Spyglass Media Group, Project X Entertainment, Radio Silence Productions; Distribuição: Paramount Pictures; Duração: 2h 3min.

filme Pânico 6

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