A cerimônia de premiação da 27ª edição do Cine PE – Festival Audiovisual, em Recife, aconteceu na noite de ontem, sábado (09/09), no cinema do Teatro do Parque, dando espaço, também, para a entrega dos prêmios da edição anterior do festival, que, por problemas técnicos, não pôde ser realizada. A solenidade foi um grande momento de celebração que reuniu pessoas premiadas de 2022 e de 2023 e, ainda assim, o clima era de muito afeto e intimidade, como em uma comunidade onde todos se conhecem e torcem uns pelos outros. Foi bonito de ver, presenciar, fazer parte.
Na ocasião, foram entregues as Calungas de Prata para os vencedores escolhidos pelo Júri Oficial, o Júri da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e pelo Júri Popular. Também foi anunciado o vencedor do Prêmio Canal Brasil de Curtas, que, além de receber o troféu Canal Brasil, ganha um prêmio de R$ 15 mil e um espaço na grade de programação. Um dos grandes destaques da noite foi o curta de animação “Eu Nunca Contei a Ninguém”, escrito e dirigido por Douglas Duan, com produção de Gabriela Melo. O filme foi consagrado como Melhor Curta-Metragem Nacional, vencendo também nas categorias de Melhor Direção, Melhor Direção de Arte e Melhor Trilha Sonora.
Representante pernambucano dentro da Mostra, “Eu Nunca Contei a Ninguém” concorreu com produções de todas as regiões do país e, com seus 11 minutos de duração, emocionou, profundamente, público e crítica durante sua exibição – uma emoção que perdurou e foi sentida, ainda, no debate realizado no dia posterior à sessão e no momento de premiação, quando a equipe (incluindo Apollo Angelo, a criança que faz a voz original do protagonista) recebeu, comovida, seus merecidos prêmios. O filme (com referências autobiográficas do diretor) nos apresenta à Luca, um garotinho de 5 anos que precisa se despedir do avô, internado em um hospital. Encantador, tanto pela sensibilidade para falar de luto quanto pela “estética de algodão” criada por meio do stop-motion.
Quanto aos longas, o prêmio máximo foi para a produção de Santa Catarina, “Porto Príncipe”, eleito Melhor Longa-Metragem. O drama humanista dirigido por Maria Emília de Azevedo, com roteiro de Marcelo Esteves e produção de PH Souza, também angariou a Calunga de Prata de Melhor Ator para o haitiano Diderot Senat (cujo belo trabalho de atuação no filme despontou como favorito absoluto). A história é sobre a complexa relação que se estabelece entre Bertha (Selma Egrei), uma idosa e viúva que mora sozinha numa chácara na serra catarinense, e Bastide (Senat), haitiano em busca de uma vida possível no Brasil. Ela procura alguém que trabalhe em sua casa e terreno e ele procura um emprego. Quando se encontram, seus mundos se colidem, pois são de origens e vivências completamente diferentes (ela, uma mulher branca do sul do país, ele um homem negro e refugiado), além de, sobretudo, serem atravessados pelo racismo, mesmo que algum tipo de amizade pareça florescer.
Ainda dentro da Mostra Competitiva de Longas, a ficção paranaense “Entrelinhas”, de Guto Pasko, levou cinco prêmios: Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Edição de Som, Melhor Direção de Arte e Melhor Atriz para Gabriela Freire (que faz o delicado trabalho de interpretar a personagem Beatriz, inspirada na vida real de Ana Beatriz Fortes, presa aos 17 anos pela ditadura militar, em Curitiba). Apesar de se passar nos anos 1970, sabemos que, infelizmente, seu tema também é contemporâneo, já que o autoritarismo e as ameaças à democracia nos circundam. Chama a atenção como o filme se mostra duro e seco, construindo uma progressão de tensão e violência de maneira perturbadora, mas sem buscar o choque pelo choque.
E quase empatando com “Entrelinhas” em número de estatuetas, “Agreste”, do cineasta paulista Sérgio Roizenblit, venceu quatro categorias: Melhor Roteiro, Melhor Fotografia, Melhor Ator Coadjuvante (Roberto Rezende) e Melhor Atriz Coadjuvante (Luci Pereira). O filme se passa no sertão e conta a história de amor de Maria, uma jovem mulher prometida em casamento, e Etevaldo, um homem de poucas palavras e de origem desconhecida pelo qual ela se apaixona. Eles fogem juntos para viverem como casal, mas enfrentam duros abalos. A premiada direção de fotografia, assinada por Humberto Bassanello, impressiona pela atenção aos detalhes na representação da luz, cores e texturas do território da caatinga.
Dentro da Mostra Competitiva de Curtas Pernambucanos, o metalinguístico e divertido “Quebra Panela” foi o grande vencedor da noite. A ficção do estreante, mas empolgado Rafael Anaroli levou as Calungas de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Direção de Arte. E o próprio Anaroli se tornou uma figura marcante do festival ao contar casos de bastidores do seu filme, principalmente sobre a participação da própria mãe como protagonista, já que em sua seleção de elenco, nenhuma pessoa da comunidade (uma pequena cidade pernambucana, chamada Condado) apareceu para se candidatar ao trabalho. Outras duas produções ganharam destaque: o documentário “Coração da Mata”, de Camila Martins, vencedor de Melhor Fotografia e Melhor Montagem, que retrata o primeiro e único Maracatu rural 100% feminino, em Nazaré da Mata, zona da mata norte de Pernambuco; e a animação “Depois do Sonho”, de Ayodê França, levou os prêmios de Melhor Edição de Som e Melhor Trilha Sonora.
Outros prêmios
JÚRI POPULAR – Para o público, o melhor curta-metragem pernambucano foi “Invasão ou Contatos Imediatos do Terceiro Mundo”, enquanto que o curta-metragem amapaense “Essa Terra É Meu Quilombo”, de Rayane Penha, foi eleito o melhor curta nacional. Em seu discurso, Penha mostrou-se enfática ao dizer que seus filmes são para o público, especialmente as pessoas de sua região, para que se vejam na tela, e que é deste público que recebe apoio, inclusive para o reconhecimento em festivais. Já o melhor longa-metragem, escolhido pelo júri popular, foi “Agreste”, de Sérgio Roizenblit.
PRÊMIO DA CRÍTICA – Composto pelos jornalistas e críticos de cinema Kel Gomes (essa que vos escreve aqui), Vítor Búrigo e César Castanha, o júri da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) concedeu a Calunga de Melhor Longa-Metragem para o documentário pernambucano “Frevo Michiles”, de Helder Lopes. A crítica especializada escolheu, ainda, o potiguar “Moventes”, de Jefferson Cabral, como Melhor Curta Nacional.
PRÊMIO CANAL BRASIL DE CURTAS – Com júri formado pelos jornalistas e críticos Kel Gomes (eu mesma, novamente), Enoe Lopes, Ismaelino Pinto, Luiz Carlos Merten e Miguel Barbieri, o prêmio Canal Brasil de Curtas elegeu “Eu Nunca Contei a Ninguém”, de Douglas Duan, como o melhor curta desta edição, fechando com chave de ouro a consagração desda belíssima animação, feita por pessoas apaixonadas por cinema e cuja sensibilidade e criatividade são inspiradoras.
Confira todos os vencedores do 27º Cine PE – Festival Audiovisual:
MOSTRA COMPETITIVA DE CURTAS PERNAMBUCANOS
MELHOR FILME – “Quebra Panela”, de Rafael Anaroli;
MELHOR DIRETOR – Rafael Anaroli, por “Quebra Panela”
MELHOR ROTEIRO – Virgínia Guimarães, por “Filhos Ausentes”
MELHOR FOTOGRAFIA – Breno César, por “Coração da Mata”
MELHOR MONTAGEM – Priscilla Maria, Victória Drahomiro e André Hora, por “Coração da Mata”
MELHOR EDIÇÃO DE SOM – Matheus Mota e Jeff Mandú, por “Depois do Sonho”
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE – Lia Letícia, por “Quebra Panela”
MELHOR TRILHA SONORA – Antônio Nogueira, por “Depois do Sonho”
MELHOR ATOR – Paulo César Freire, por “Invasão ou Contatos Imediatos do Terceiro Mundo”
MELHOR ATRIZ – Geraldine Maranhão, por “Alto do Céu”
MOSTRA COMPETITIVA DE CURTAS NACIONAIS
MELHOR FILME – “Eu Nunca Contei a Ninguém” (PE), de Douglas Duan
MELHOR DIRETOR – Douglas Duan, por “Eu Nunca Contei a Ninguém” (PE)
MELHOR ROTEIRO – Paola Veiga, Roberta Rangel e Emanuel Lavor, por “Instante” (DF)
MELHOR FOTOGRAFIA – Lucas Loureiro, por “Fossilização” (RJ)
MELHOR MONTAGEM – Arthur B. Senra, por “Virtual Genesis” (DF)
MELHOR EDIÇÃO DE SOM – João Milet Meirelles, por “Quintal” (BA)
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE – Douglas Duan, por “Eu Nunca Contei a Ninguém” (PE)
MELHOR TRILHA SONORA – Douglas Duan, por “Eu Nunca Contei a Ninguém” (PE)
MELHOR ATOR – Edmilson Filho, por “Única Saída” (RJ)
MELHOR ATRIZ – Ju Colombo, por “Fossilização” (RJ)
MOSTRA COMPETITIVA DE LONGAS NACIONAIS
MELHOR FILME – “Porto Príncipe”, de Maria Emília de Azevedo (SC/RJ)
MELHOR DIRETOR – Guto Pasko, por “Entrelinhas” (PR)
MELHOR ROTEIRO – Newton Moreno e Marcus Aurelius Pimenta, por “Agreste” (SP)
MELHOR FOTOGRAFIA – Humberto Bassanello, por “Agreste” (SP)
MELHOR MONTAGEM – Lucas Cesario Pereira, por “Entrelinhas” (PR)
MELHOR EDIÇÃO DE SOM – Kiko Ferraz, por “Entrelinhas” (PR)
MELHOR TRILHA SONORA – Jota Michiles, por “Frevo Michiles” (PE)
MELHOR DIRETOR DE ARTE – Isabelle Bittencourt, por “Entrelinhas” (PR)
MELHOR ATOR COADJUVANTE – Roberto Rezende, por “Agreste” (SP)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE – Luci Pereira, por “Agreste” (SP)
MELHOR ATOR – Diderot Senat, por “Porto Príncipe” (SC/RJ)
MELHOR ATRIZ – Gabriela Freire, por “Entrelinhas” (PR)
MENÇÃO HONROSA – O Júri de Longas-Metragens, composto pela produtora de casting Denise Del Cueto, o diretor e produtor executivo Oswaldo Massaini Filho, o ator Sérgio Fidalgo, o produtor cultural Márcio Henrique e a atriz Letícia Spiller, concederam menção honrosa ao filme “Ijó Dudu, Memórias da Dança Negra na Bahia” (BA), de José Carlos Arandiba, pela relevância do tema abordado, referente à memória, à história e à luta de gerações de mulheres e homens artistas pretos que fizeram de seus corpos e de suas expressões as principais ferramentas de afirmação política e pessoal.
Editora, crítica de cinema e podcaster do Cinematório. Filiada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e membra do Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Jornalista profissional pela UFMG e com formação em Produção de Moda pela mesma instituição. É cria dos anos 90 e do interior de Minas.