filme a freira 2
por Giovanna de Souza, especial para o Cinematório
Continuação do sucesso derivado da franquia “Invocação do Mal”, “A Freira 2” é um filme que mantém todas as histórias em um círculo fechado e emociona. Com 99% do elenco feminino, o longa provoca sensações em relação aos medos mais profundos e o valor da cumplicidade.
Na trama, duas histórias acontecem simultaneamente em 1956: a da jovem Irmã Irene (Taissa Farmiga), no monastério, e a do internato para meninas no interior da Europa. Com os eventos motivados de um lado provocando o que acontece no outro, as dimensões se cruzam ao final para o enfrentamento da criatura demoníaca Valak, representada pela temida Freira (Bonnie Aarons).
O drama começa já na cena inicial do filme: a Freira se materializa em uma igreja para um menino coroinha que pede socorro ao padre da igreja. O padre, com desconfiança, tenta encontrar o que aterrorizou a criança e, em uma cena dramática, a Freira aparece em cena, levanta o padre a três metros do chão em posição de cruz e provoca uma dura combustão que o leva à morte.
Em seguida, nós temos a apresentação da Irmã Debra, interpretada por Storm Reid, que já se apresenta como uma freira bem oposta às demais – ela não achava que deveria se confessar. A atriz, que já havia ganhado as telas como Gia Bennett em “Euphoria” e Riley em “The Last of Us” (ambas da HBO), dá vida à Debra com uma característica que inclusive vai em oposto à irmã de Rue em “Euphoria”: a de uma jovem fumante e que não tem fé — tanto em Deus quanto na instituição do convento do qual faz parte — e, também, em relação à Irmã Irene, bastante religiosa e devota.
Paralelamente a isso, o espectador tem contato com Maurice Theriault (Jonas Bloquet), o zelador de um internato só para meninas. O personagem se apresenta como um homem extremamente prestativo, generoso e gentil que tem interesse romântico na Professora Kate (Anna Katherine Popplewell) e mantém uma grande cumplicidade com a filha da professora, Sophie (Katelyn Rose Downey).
A atmosfera deste lado da história é bastante aconchegante, lembrando até uma comédia romântica adolescente: as meninas malvadas da escola que atazanam a vida da filha da professora, a filha da professora tendo amizade com o zelador, o zelador interessado na única professora do internato.
Ao longo do desenvolvimento da história, o diretor Michael Chaves (de “A Maldição da Chorona” e “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio”)) aposta em diferentes dimensões para levar o público à mente da personagem que se apresenta na tela — dimensões estas que se apresentam em memórias ou viagens interdimensionais provocadas pelo demônio Valak. Uma jogada bem interessante da direção, que faz com que não se saiba se aquilo que estamos vendo é “real”, apenas uma visão ou um sonho, como a Irmã Irene sendo levada ao universo de memórias com a mãe.
A fotografia do longa, assinada por Tristan Nyby, é marcada pelo chiaroscuro (técnica do claro-escuro, com apenas um ponto de luz e o restante na escuridão) e pelas formas geométricas que levam à expectativa de um susto a todo momento – principalmente por retas em ângulo de 30° que podem ser ou não a Freira à espreita. Quase que estritamente em preto, branco e amarelo, com pouquíssimas luzes externas e artificiais, o longa se apropria do jump scare para garantir o tão esperado medo em um filme de terror do universo de “Invocação do Mal”. A direção de arte de Stephane Cressend também brinca bastante com a formação de imagens a partir de objetos, o que já prepara a plateia para um susto a qualquer momento.
A partir daqui, comentários com spoilers!
A Irmã Debra (Storm Reid) surpreende ao passar de uma pessoa que revirava os olhos ao escutar uma história de um suposto milagre para a que ora em cima de vinho, para transformá-lo em sangue em nome da batalha contra a entidade Valak. A cumplicidade de Debra com Irene é algo que também chama a atenção: mesmo sem a crença, decidiu ir com a amiga até uma cidade a 40 minutos de distância para combater o Mal, além de ser a guia de meninas amedrontadas pelo Bode do vitral da capela.
A atuação de Taissa Farmiga como a Irmã Irene é intensa, uma vez que tem a capacidade de induzir o espectador a acompanhar uma jovem freira que é mentalmente levada a cenas que viveu com a longínqua mãe – que, mais tarde, entende-se que foi afastada da família e levada para um manicômio a mando do marido, que não acreditava nas suas visões religiosas (visões que passou como “herança” à filha).
A série de incidentes religiosos é centralizada pela figura da Santa Luzia de Siracusa, a padroeira dos cegos. Sua história envolve a lenda de que ela teria sido condenada à fogueira e, após várias tentativas e seu corpo não queimar, seus olhos foram retirados com uma adaga. Há uma série de tragédias que envolvem mortes de pessoas que compunham o corpo da Igreja, partindo da Romênia. A partir de um brasão em comum que amarra todas as vítimas em um padrão, entendemos que os grandes alvos de Valak são, na verdade, os descendentes da Santa Luzia.
O fechamento das histórias é algo bastante satisfatório para quem não curte finais em aberto. O que a entidade queria, nesse ataque mundano e espiritual, era justamente algo que levaria à personagem principal: os olhos de Santa Luzia. O fato de a Irmã Irene não ter pegado fogo durante o ataque de Valak — e as memórias da distante mãe terem a fala “Você tem os meus olhos!” — sugere que, a todo tempo, Irene é descendente de Santa Luzia e esteve presente como o alvo da entidade.
Ainda, o principal vetor da entidade nos tempos atuais, depois de uma batalha já perdida por ele e protagonizada por um padre e pela própria Irmã Irene, é o gentil zelador Maurice (Jonas Bloquet), que esteve presente o tempo todo ao longo do filme, mesmo que o espectador não tenha percebido. O carinho não-romântico entre Irene e Maurice é bonito de se ver, com uma amizade e cumplicidade que ultrapassa tempos e desconfianças – e, literalmente, aparições da Freira.
Infelizmente, os efeitos visuais do filme só não são mais horrendos do que a própria Freira em si. Cenas como as das aparições da Freira ou aquelas em que o Bode do vitral persegue as meninas do internato provocam mais riso do que medo, deixando muito a desejar. No entanto, as cenas que não dependem da personificação do Diabo foram bem construídas, uma vez que o medo é provocado por elementos como fogo, levitação e sangue jorrando.
“A Freira 2” é um filme que emociona para além do medo. De certo, o retorno às telonas do universo de Ed e Lorraine Warren tem uma abordagem clara e sensível sobre luto, amizade, cumplicidade, amor e medo, mesmo em um cenário de mortes e possessões demoníacas. As atuações de Taissa Farmiga, Jonas Bloquet, Storm Reid e da jovem Katelyn Rose Downey foram, com certeza, as melhores apostas do filme.
Ah! E não, Maurice: a feijoada não é um caldo português — ela existe por causa dos portugueses!
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