Um ditado popular diz que “tudo o que é bom dura pouco”. Mas, em contrapartida, há coisas não tão boas que duram mais tempo do que deveriam.
Em 2008, com a estreia de “Homem de Ferro”, teve início o universo compartilhado da Marvel e, a partir daí, todos os filmes do estúdio se conectaram, com personagens e histórias se relacionando. Vendo todo esse sucesso, em 2013, a DC lançou “Homem de Aço”, o primeiro filme da franquia com a direção de Zack Snyder na companhia. E assim foi criado o denominado “Snyderverso” ou “DCU”.
Desde então, foram diversos longas ambientados em um mesmo contexto, aproveitando o enredo de um e conectando aquela narrativa a outro título. E neste universo criado pela DC, um dos destaques positivos foi o personagem Aquaman (interpretado por Jason Momoa). O nome não era muito conhecido por aqueles que não são fãs de revistas em quadrinhos, por isso não havia muita expectativa em torno da primeira aparição dele, lá em “Liga da Justiça”, em 2017. Um ano depois, o filme solo do super-herói foi lançado, e nele o público se deparou com um personagem engraçado, carismático e de fácil identificação — algo não muito comum com outros nomes do grupo de heróis.
Agora, seis anos após sua primeira vez usando o traje de Arthur Curry, Momoa volta à DC para protagonizar a produção que encerra de vez a era criada por Snyder e dá lugar ao novo universo pensado por James Gunn, o atual co-CEO do estúdio.
É interessante a escolha por Aquaman ser o responsável de encerrar esta fase, afinal de contas, ele não é o Batman, Mulher Maravilha ou Superman no quesito popularidade. Mas, ao mesmo tempo, o fato mostra o destaque que o Rei de Atlântida teve ao longo do desenvolvimento do DCU.
“Aquaman 2: O Reino Perdido” é um filme que mostra o quanto Arthur se desenvolveu como pessoa durante esses últimos anos. É a verdadeira jornada do herói. O longa apresenta o personagem como Rei de Atlântida, lidando com toda a burocracia e dificuldade que envolve este título. Além disso, ele agora tem responsabilidades como pai e marido. A premissa do filme é abordar as dificuldades que este homem, que em outros momentos mostrava ser um moleque e não ligar para as consequências de seus atos, agora enfrenta para conciliar os vários problemas que estas diferentes funções carregam.
Nesta continuação, Jason Momoa continua sendo o principal nome do elenco: é ele quem entrega carisma, comédia e presença marcante nas cenas. O personagem ganha muito também com a sua parceria com o Orm, o Mestre dos Mares (Patrick Wilson), e a dupla de irmãos tem uma química que somou ao enredo, já que os dois precisam deixar as diferenças de lado para acabar com o mal que está prestes a dominar os oceanos e o planeta. O coadjuvante cumpre o seu papel e ajuda na jornada de amadurecimento do protagonista, além da relação entre os dois ainda servir de alívio cômico em vários momentos.
Tirando estes dois nomes, não há muito destaque para os outros personagens, e isso claramente não é um problema do elenco (que possui importantes atores, como Nicole Kidman e Dolph Lundgren), mas sim uma escolha do roteiro de David Leslie Johnson, que acaba deixando de lado o desenvolvimento dos outros personagens.
Isso acontece inclusive com o vilão do filme, Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen ll). Ele, que apareceu em “Aquaman”, é o principal vilão do herói. No primeiro momento, neste segundo filme, é nítido ver que a motivação do antagonista é matar Arthur a todo custo. O ódio dele pelo Rei de Atlântida inclusive é mostrado no fim do longa, quando ele prefere “morrer” ao invés de ser ajudado por seu inimigo. Mas, ao ser possuído pelo espírito de um dos governantes do Reino Perdido, que foi preso por um feitiço, o desenvolvimento de Arraia Negra é interrompido e fica confuso entender se aquelas ações eram do Arraia ou do “outro vilão”.
Mas, mesmo com esse ponto negativo do roteiro, o ator Yahya Abdul tem uma atuação de destaque, deixando o terror e o ódio visíveis nas telas. Um texto com piadas forçadas e sem graça também marca negativamente o trabalho de David Leslie, transformando diálogos que poderiam ser mais elaborados e divertidos em apenas conversas bobas e infantis.
Apesar destas questões, todas as pontas que o roteiro abre são fechadas ao longo da história, e o melhor: a narrativa é finalizada, sem a necessidade de esperar um outro filme para a conclusão. O enredo se basta. O interessante é que, apesar de marcar o fim desta etapa do Universo Cinematográfico da DC, o longa não se preocupa em encerrar a história de nenhum outro personagem que não seja do núcleo do Aquaman. Batman, Mulher Maravilha, Flash… Nenhum deles é mencionado.
Quando o assunto é a identidade visual, o resultado é positivo. Não há incômodo quando aparece cenas com o uso de CGI, e a fotografia é tecnicamente bem feita. Com ampla experiência em produções de terror, o diretor James Wan (“Invocação do Mal”) traz para o fundo do mar monstros horrendos e diversos elementos capazes de despertar o medo no público de maneira eficaz. Porém, faltou mostrar mais a magia do fundo do mar. O cineasta optou por dar espaço para uma Atlântida mais séria e compacta e deixou a parte lúdica de lado.
“Aquaman 2: O Reino Perdido” é um filme de aventura com cenários esteticamente diferentes, corridas, monstros, animais diversos e lutas muito bem coreografadas. Os combates fluem de uma maneira rápida e não ficam cansativos para quem assiste.
A verdade é que o último longa do DCU seguiu a linha dos outros títulos, entregando um resultado mediano. E o estúdio, durante todos esses anos, mostrou que o feijão com arroz, quando bem feito, pode saciar o apetite dos fãs. Os dois longas protagonizados por Jason Momoa são as maiores provas disso: o filme de origem, muito divertido e envolvente, e uma sequência que convida o público a acompanhar o amadurecimento do herói tão querido por todos. Mas não dá pra negar que é uma produção sem personalidade.
Sem dúvidas, despedir-se de Momoa no papel de Rei de Atlântida é algo doloroso para os fãs, mas o filme faz isso de uma maneira eficiente e interessante. A trajetória do protagonista foi encerrada de uma forma redonda, dando um bonito e maduro fim para o personagem, que terminou sua participação sendo um homem melhor do que quando apareceu pela primeira vez no universo da DC.
É um adeus com melancolia ao Aquaman de Momoa, mas um adeus com alegria e esperança ao Universo Cinematográfico da DC. ■
aquaman 2 o reino perdido
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AQUAMAN 2: O REINO UNIDO (Aquaman and the Lost Kingdom, 2023, EUA). Direção: James Wan; Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick; Produção: Peter Safran, James Wan, Rob Cowan; Fotografia: Don Burgess; Montagem: Kirk Morri; Música: Rupert Gregson-Williams; Com: Jason Momoa, Patrick Wilson, Amber Heard, Yahya Abdul-Mateen II, Randall Park, Dolph Lundgren, Temuera Morrison, Martin Short, Nicole Kidman; Estúdio: DC Studios, Atomic Monster, The Safran Company; Distribuição: Warner Bros.; Duração: 2 h 4 min.
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Onde ver "Aquaman 2: O Reino Perdido" no streaming:
Jornalista e crítica de cinema, sempre que pode está falando de filmes de heróis, animações, comédias românticas ou blockbusters. O jornalismo esportivo foi sua grande paixão durante a graduação. Há pouco, descobriu que o que gosta mesmo é de falar sobre produções audiovisuais, sejam elas filmes que concorrem ao Oscar ou um bom título do Darren Star. Atualmente também trabalha como produtora de TV na Rede Minas.